Mais de 14 mil imóveis condenados, bairros inteiros demolidos e mais de R$ 4,1 bilhões pagos em indenizações. Maceió, capital de Alagoas, vive uma tragédia silenciosa desde que a mineração da Braskem provocou o afundamento de solo em cinco bairros, transformando comunidades inteiras em zonas de risco.
O que parecia improvável se tornou realidade. Em dezembro de 2023, uma das 35 minas de sal-gema da Braskem ruiu sob a lagoa Mundaú, no bairro Mutange, acelerando um processo que já vinha se desenrolando há anos: o afundamento do solo de Maceió. O fenômeno foi causado por décadas de extração de sal-gema em áreas urbanas da cidade.
A tragédia é descrita como uma das maiores crises urbanas e ambientais da história do Brasil, com impactos diretos sobre a vida de mais de 60 mil pessoas, forçadas a deixar suas casas em cinco bairros: Mutange, Pinheiro, Bebedouro, Bom Parto e parte do Farol. Conheça também a cidade cearense que foi totalmente abandonada e hoje é considerada uma cidade fantasma no sertão
A cidade onde o chão afundou e os bairros desapareceram
De acordo com a Defesa Civil de Maceió, mais de 14 mil imóveis foram condenados e incluídos na zona de desocupação obrigatória. Destes, 8.482 já foram demolidos. O cenário é de abandono, crateras, rachaduras e estruturas instáveis que tornam impossível o retorno da população.
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Os cinco bairros afetados, que antes abrigavam escolas, hospitais, igrejas, comércios e milhares de famílias, foram apagados do mapa urbano da capital alagoana. O solo instável comprometeu ruas inteiras, destruindo não apenas estruturas físicas, mas histórias de vida, vínculos comunitários e memórias familiares na cidade no Brasil onde o chão cedeu.
Braskem: compensações e responsabilização
A empresa responsável pela extração, a Braskem, criou o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF). Até setembro de 2023, foram apresentadas 19.167 propostas de compensação — 99,9% do total previsto. Destas, 18.944 foram aceitas e 18.756 indenizações já foram pagas, o que corresponde a 97,8% de execução do plano.
O valor pago em indenizações e auxílios financeiros ultraa R$ 4,1 bilhões, segundo dados da própria empresa. Os recursos visam permitir a reconstrução da vida dos moradores em outras regiões, mas não compensam a perda afetiva e social de quem viu o seu bairro desaparecer.
Um crime ambiental de proporções históricas
A Polícia Federal abriu inquérito para apurar a responsabilidade da Braskem e dos órgãos públicos que fiscalizavam as atividades de mineração. A investigação, concluída no fim de 2023, indiciou 20 pessoas, incluindo executivos da Braskem e agentes públicos.
A acusação é de crime ambiental qualificado, com danos permanentes à população e ao território urbano. O caso é considerado emblemático não apenas pelo impacto, mas pela omissão prolongada das autoridades, que permitiram a continuidade da mineração em áreas densamente povoadas.
“Não é só uma casa. É a nossa história que foi soterrada”
Para milhares de famílias, o impacto é mais do que geológico: é emocional, psicológico e social. O colapso destruiu vínculos comunitários, paralisou atividades econômicas e forçou o maior deslocamento urbano da história recente do país.
“A gente perdeu o lar, perdeu a vizinhança, perdeu as raízes. Não é só uma casa, é uma vida inteira que desabou”, relata Lúcia Alves, ex-moradora do Mutange.
Muitos moradores aram meses em abrigos improvisados, hotéis e casas de parentes, aguardando a compensação financeira. Outros enfrentaram dificuldades para encontrar novos imóveis, especialmente diante da alta no mercado de aluguel em Maceió após o início da crise.
A geologia do desastre: o que é o sal-gema?
O sal-gema é uma forma mineral de cloreto de sódio (NaCl), extraído para usos industriais diversos, como produção de PVC, soda cáustica e hipoclorito. Em Maceió, a extração subterrânea era feita a partir da injeção de água nas cavernas salinas, que depois eram esvaziadas, criando vazios no subsolo urbano.
Com o tempo, a pressão geológica e a infiltração de água provocaram o colapso dessas cavernas, causando rachaduras no solo e no asfalto. A reação em cadeia comprometeu edificações inteiras, gerando uma situação de risco iminente e permanente.
Como a crise foi detectvada?
Os primeiros sinais apareceram no bairro Pinheiro, em fevereiro de 2018, com relatos de tremores de terra, rachaduras em calçadas, paredes e afundamento de ruas. Em pouco tempo, as autoridades confirmaram que as deformações tinham origem geológica.
Estudos do Serviço Geológico do Brasil (RM) apontaram que a mineração de sal-gema foi o fator determinante para o surgimento das falhas no subsolo. Em 2019, a Braskem anunciou a interrupção definitiva da atividade em todas as suas minas em Maceió.
A dimensão do dano: bairros inteiros sumiram do mapa
Veja os principais dados atualizados sobre o desastre em Maceió:
Indicador | Número |
---|---|
Imóveis condenados | Mais de 14 mil |
Imóveis demolidos | 8.482 |
Pessoas obrigadas a sair de casa | Mais de 60 mil |
Propostas de indenização apresentadas | 19.167 |
Propostas aceitas | 18.944 |
Indenizações pagas | 18.756 |
Total pago em compensações | R$ 4,1 bilhões |
Bairros afetados | 5 (Mutange, Pinheiro, Bebedouro, Bom Parto, Farol) |
O trauma coletivo e a reconstrução das vidas
A tragédia de Maceió deixou marcas psicológicas profundas nos moradores. Muitos ainda não se adaptaram aos novos bairros ou enfrentam dificuldades para reconstruir suas rotinas. Crianças mudaram de escolas, idosos se afastaram de vizinhos de décadas, e comerciantes perderam clientela e renda.
“Você sai, mas a dor fica. O medo de que tudo afunde de novo vai com você”, diz João Henrique, comerciante que viu seu negócio desaparecer no Mutange.
Entidades de saúde mental e universidades locais têm promovido apoio psicológico coletivo, mas o processo de recuperação é longo. Além da reconstrução física, há o desafio de reconstruir o senso de pertencimento e a confiança na segurança urbana.
O que diz a Braskem e o poder público
Em nota oficial, a Braskem afirma que está empenhada em resolver os impactos causados pela instabilidade geológica e que mantém canal de atendimento permanente com os moradores. A empresa afirma ainda que atua sob orientação da Defesa Civil e que o programa de compensação foi criado para agilizar o e às famílias.
A companhia declarou que segue colaborando com as autoridades e que, desde 2019, encerrou as operações de mineração em Maceió. Mas as críticas persistem, especialmente pelo fato de que a extração era feita em regiões densamente habitadas, o que poderia ter sido evitado.
O Ministério Público Federal (MPF) e o Tribunal de Contas da União (TCU) investigam falhas de fiscalização por parte de órgãos ambientais e de gestão urbana. A Prefeitura de Maceió e o Governo de Alagoas também são citados em ações judiciais por suposta omissão e conivência.
Além disso, o Congresso Nacional estuda a criação de uma I da Mineração Urbana, diante da gravidade do caso. A expectativa é que a crise de Maceió sirva como alerta para evitar desastres semelhantes em outras cidades brasileiras com histórico de exploração mineral.