Os cortes de geração de energia renovável no Ceará, causados pela falta de infraestrutura de transmissão, resultaram em prejuízos milionários, afetando investimentos e a confiança no setor de energias solares e eólicas.
Nos últimos anos, um problema crescente tem afetado as usinas de energia renovável no Brasil, especialmente no estado do Ceará: os cortes de geração, também conhecidos como curtailment. Esse fenômeno ocorre quando as usinas de energia solar e eólica são obrigadas a interromper a produção devido à incapacidade da rede de transmissão elétrica em escoar toda a energia gerada.
Como resultado, as empresas estão enfrentando perdas financeiras expressivas. No Ceará, os prejuízos já ultraam R$ 262 milhões, afetando tanto os parques solares quanto eólicos.
O impacto do Curtailment no Ceará gera prejuízos bilionários
O estado do Ceará, reconhecido como um dos maiores produtores de energia renovável do Brasil, é o segundo mais afetado pelos cortes de geração, ficando atrás apenas de Minas Gerais em termos de prejuízos.
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Desde o início dessa crise, que se intensificou a partir de 2021, as usinas solares e eólicas acumulam perdas substanciais.
Em 2025, por exemplo, as usinas eólicas do Ceará já reportaram prejuízos de R$ 20 milhões devido à interrupção de 341,4 mil MWh de energia.
Já as usinas solares, entre 2024 e 2025, enfrentaram um impacto de R$ 56 milhões, com 716,46 mil MWh de energia desperdiçada, o equivalente ao consumo anual de todas as casas de Roraima em 2023.
Esses cortes de geração são realizados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) quando a infraestrutura de transmissão elétrica não tem capacidade para escoar a energia gerada pelas usinas para outras partes do Brasil.
O resultado é que grande parte da energia renovável gerada no Nordeste acaba sendo inutilizada, apesar de ser uma fonte limpa e abundante.
O desafio econômico para as Usinas de Energia Renovável
O impacto financeiro dos curtailments é devastador para as empresas que investem em energia renovável.
Rodrigo Sauaia, presidente executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), alerta para a fragilidade da situação econômica das usinas, que enfrentam dificuldades devido à falta de compensação adequada pelos cortes.
“Até abril, o ressarcimento para as usinas solares representou apenas 2,5% do prejuízo total”, ressalta Sauaia.
Além disso, a situação tem desestimulado novos investimentos no setor. Kleber Lima, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), observa que a limitação na geração de energia reduz a atratividade para novos projetos, uma vez que os investidores não veem retorno suficiente para justificar os altos custos.
Ele acrescenta que, com as constantes interrupções, o Ceará corre o risco de perder sua posição de liderança na geração de energia renovável, já que os empresários do setor ficam cada vez mais receosos de realizar novos aportes financeiros.
Infraestrutura de transmissão é um gargalo crítico
A principal razão por trás dos curtailments é a falta de infraestrutura de transmissão elétrica no Brasil, especialmente no Nordeste.
A rede de transmissão atual não tem capacidade suficiente para escoar toda a energia gerada pelas usinas solares e eólicas para outras regiões do país.
Em algumas situações, a geração de energia no Nordeste ultraa a demanda local, e a única opção seria exportar o excedente para outras regiões ou armazenar essa energia.
No entanto, a capacidade de armazenamento de energia renovável ainda é limitada no Brasil.
O país está em processo de implantação de leilões de baterias para armazenamento de energia, mas ainda há uma grande lacuna em relação à necessidade de mais investimentos em linhas de transmissão e tecnologias de armazenamento eficientes.
Kleber Lima explica que o Brasil precisa urgentemente de mais investimentos tanto em infraestrutura de transmissão quanto em sistemas de armazenamento para aproveitar todo o potencial da energia renovável gerada no Nordeste.
Investimentos e a insegurança jurídica
Além dos prejuízos financeiros diretos, a insegurança quanto à continuidade da operação das usinas de energia renovável no Brasil é outro fator que tem gerado preocupação no setor.
Luis Carlos Queiroz, presidente do Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico do Estado do Ceará (Sindienergia), acredita que a incerteza gerada pelos cortes de geração torna muito difícil para as empresas do setor decidirem por novos investimentos.
Ele observa que muitos dos projetos que estavam em andamento estão sendo reavaliados ou suspensos devido ao impacto financeiro dos curtailments.
A falta de um ambiente estável e confiável também afeta a indústria local de produção de equipamentos para parques eólicos e solares, como pás, painéis solares e aerogeradores.
A Qair Brasil, empresa com ativos em energia renovável no Ceará, é um exemplo de como os cortes de geração têm impactado os planos da empresa. Gustavo Silva, diretor de operações da Qair, explica que a estruturação dos projetos foi feita com base em uma expectativa de geração que agora está sendo drasticamente afetada pelos cortes.
O caminho para a recuperação no setor de energia renovável
Diante desse cenário desafiador, o governo brasileiro reconhece a necessidade urgente de ampliar a capacidade de transmissão elétrica para evitar que a energia renovável gerada no Nordeste continue sendo desperdiçada.
O Ministério de Minas e Energia solicitou que o ONS apresente, até junho de 2025, um estudo sobre medidas para ampliar o escoamento da energia e melhorar o aproveitamento da energia limpa.
Para Kleber Lima, além de mais investimentos em armazenamento, é fundamental que o Brasil invista em melhorias significativas na rede de transmissão elétrica.
“Sem essas melhorias, não teremos como escoar a energia renovável produzida no Nordeste, e a situação continuará a prejudicar a confiança dos investidores no setor”, conclui.