Com investimentos bilionários em antigas fábricas da Ford e Mercedes, a BYD e a GWM iniciam suas operações em 2025, prometendo uma guerra de preços e uma nova era para a indústria automotiva nacional
O cenário automotivo brasileiro vive uma transformação sem precedentes, impulsionada pela entrada estratégica e agressiva de montadoras chinesas de veículos elétricos, notadamente a BYD (Build Your Dreams) e a GWM (Great Wall Motors). Com investimentos na casa dos bilhões de reais, elas não buscam apenas competir, mas dominar o emergente mercado de eletrificados no país.
Entenda a fundo a ofensiva das montadoras chinesas, detalhando seus planos de produção, estratégias de mercado, a reação das marcas tradicionais e o papel dos incentivos governamentais nessa nova configuração industrial que promete remodelar o setor.
Os planos da BYD na Bahia e da GWM em São Paulo
A BYD e a GWM estão estabelecendo as bases para operações de longo prazo, com produção local, desenvolvimento tecnológico e potencial de exportação.
-
As montanhas da Serra Fluminense escondem uma fábrica lendária, líder global e completando 130 anos; o que ela faz?
-
Estado de SP vai ganhar novo aeroporto internacional! Obra, que já tem data para sair do papel, deve gerar 5 MIL empregos e ter efeito multiplicador em hotelaria, comércio e serviços
-
A mega obra que pode salvar a Região Norte do Brasil dos gargalos com apagões já está 95% concluída; projeto de 1800 km atravessa selvas, corta rios e supera barreiras logísticas
-
China desafia a gravidade: a obra chinesa que torna possível navegar acima das montanhas
BYD em Camaçari (BA): com um investimento de R$ 5,5 bilhões, a BYD está transformando a antiga planta da Ford em um complexo com três unidades: uma para carros de eio, uma para processamento de lítio e fosfato de ferro, e uma para chassis de ônibus e caminhões.
A capacidade inicial será de 150.000 veículos por ano, com início em meados de 2025, começando com o elétrico Dolphin Mini e o híbrido Song Pro. O projeto, no entanto, enfrenta uma séria ação do Ministério Público do Trabalho por alegações de submissão de trabalhadores chineses a condições análogas à escravidão.
GWM em Iracemápolis (SP): a GWM delineou um plano de R$ 10 bilhões em 10 anos, reativando a antiga fábrica da Mercedes-Benz. A produção começa em julho de 2025, com capacidade inicial de 50.000 unidades anuais, podendo chegar a 100.000. O primeiro modelo será o SUV híbrido Haval H6, seguido pela picape Poer.
A estratégia das montadoras chinesas no Brasil
A entrada da BYD e da GWM no mercado brasileiro é uma ofensiva calculada, baseada em quatro pilares principais.
Disrupção de preços: a “guerra de preços” é a tática mais visível. A BYD, com lançamentos como o Dolphin, chacoalhou o mercado ao posicionar seus EVs de forma competitiva até mesmo contra carros a combustão, forçando uma reeducação do mercado sobre a percepção de valor.
Diferenciação tecnológica: as montadoras chinesas destacam suas inovações para construir confiança. A Blade Battery da BYD, de fosfato de ferro-lítio (LFP), é promovida por sua segurança e longa vida útil. A L.E.M.O.N. DHT (Dedicated Hybrid Technology) da GWM é apresentada como um sistema híbrido altamente eficiente.
Cultivo da lealdade à marca: a BYD e a GWM estão expandindo rapidamente suas redes de concessionárias para construir confiança. A BYD visa 150 lojas até o fim de 2024, enquanto a GWM já ultraou 105.
Rede robusta de pós-venda: para mitigar preocupações sobre a disponibilidade de peças, a BYD está duplicando seu centro de distribuição no Espírito Santo. A GWM anunciou uma política de preços fixos para peças e um estoque para nove meses de demanda.
A reação das montadoras tradicionais, a corrida pela eletrificação
A chegada das montadoras chinesas forçou as marcas tradicionais a acelerarem seus planos de eletrificação. A resposta tem sido um investimento pesado em tecnologias híbridas.
GM, Volkswagen e Toyota: anunciaram investimentos bilionários em suas fábricas em São Paulo para modernização e produção de modelos híbridos e híbridos-flex, que chegarão ao mercado a partir de 2025 e 2026.
A “Ponte Híbrida”: o foco das montadoras tradicionais em híbridos é uma estratégia de transição. Ela aproveita a infraestrutura de etanol já existente e responde às preocupações dos consumidores sobre a autonomia e a falta de pontos de recarga para os elétricos puros.
A ascensão da BYD à quarta posição em vendas no varejo em maio de 2025 é um sintoma claro do potencial disruptivo das novas entrantes, que ameaçam a hierarquia estabelecida no mercado.
O papel do governo e os desafios da nova era automotiva
O desembarque industrial das montadoras chinesas é amparado por políticas governamentais. O programa federal Mover Pro e os incentivos fiscais estaduais na Bahia e em São Paulo são cruciais para atrair esses investimentos, oferecendo benefícios como desoneração de ICMS.
No entanto, desafios significativos persistem. A insuficiência da infraestrutura pública de recarga é uma das maiores barreiras para a adoção em larga escala de EVs.
O desenvolvimento de uma cadeia de suprimentos local para componentes de EVs também demanda tempo. Além disso, questões como as alegações trabalhistas contra uma empreiteira da BYD podem gerar escrutínio e afetar a percepção pública.
Brasil como plataforma de exportação, a visão das montadoras chinesas para a América Latina
Os investimentos da BYD e da GWM não visam apenas o mercado brasileiro. Ambas enxergam o Brasil como uma plataforma estratégica para a exportação de veículos para outros países da América Latina, transformando o país em um hub regional de produção e inovação.
Atingir um alto índice de conteúdo do Mercosul, como a meta de 60% da GWM, é essencial para garantir o preferencial aos mercados do bloco.
Em um cenário onde a China se tornou a maior exportadora de automóveis do mundo, mas enfrenta barreiras em mercados como EUA e Europa, a produção no Brasil oferece uma base mais estável e politicamente mais palatável para ar a região.
A “invasão” das montadoras chinesas, portanto, é um catalisador não apenas para a transição energética, mas para uma reconfiguração profunda da indústria automotiva nacional e de seu papel na América Latina.