Sob a imponente Basílica de São Pedro, camadas de história revelam uma necrópole pagã, uma antiga basílica e o controverso local do túmulo de Pedro. Explore as estruturas subterrâneas do Vaticano.
A Basílica de São Pedro, um dos marcos mais icônicos do mundo, é apenas a camada mais visível de um complexo histórico muito mais profundo. Suas fundações repousam sobre uma basílica anterior, erguida pelo imperador Constantino, que por sua vez foi construída sobre uma necrópole ainda mais antiga, uma verdadeira “cidade dos mortos” pré-cristã. Estas estruturas subterrâneas do Vaticano guardam séculos de história.
O eixo central de toda essa superposição de construções é, segundo uma tradição milenar, o túmulo do apóstolo Pedro. Esta jornada pelas camadas subterrâneas busca examinar as evidências e os debates em torno dessa afirmação, mergulhando nas partes mais profundas da história do Vaticano.
O Vaticano antes da basílica: de campo insalubre a necrópole e circo imperial
Para entender as estruturas subterrâneas do Vaticano, precisamos recuar ao século VIII a.C. Naquela época, a área hoje conhecida como Vaticano não integrava a cidade de Roma, sendo parte de uma região maior chamada Ager Vaticanus (campo Vaticano), do outro lado do rio Tibre. A origem do nome “Vaticano” é incerta, possivelmente ligada a profetas (vates), a um termo etrusco ou a um antigo deus local. O historiador romano Tácito, no século I d.C., descrevia os distritos do Vaticano como terras insalubres e pestilentas, e outras fontes mencionavam sua infertilidade.
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Devido a essas características, e à proibição romana de enterrar mortos dentro da cidade (Lei das Doze Tábuas, c. 450 a.C.), a região do Vaticano, atravessada pela Via Cornélia, tornou-se local de sepultamentos. Com o tempo, uma vasta necrópole, com túmulos e mausoléus de ricos e pobres, estabeleceu-se ali. Outra estrutura importante no Vaticano antigo foi o Circo de Nero, originalmente construído pelo imperador Calígula por volta de 40 d.C. para corridas de bigas e posteriormente usado por Nero para espetáculos públicos, incluindo execuções. Segundo algumas tradições, o apóstolo Pedro foi uma das vítimas executadas no Circo de Nero, ou em suas proximidades.
A primeira camada sagrada: a basílica constantiniana sobre o suposto túmulo apostólico
Tradições antigas são cruciais para compreender as estruturas subterrâneas do Vaticano. O Novo Testamento já sugere o martírio de Pedro, e fontes posteriores, como Orígenes de Alexandria (c. 230 d.C.) e os “Atos de Pedro” (fim do século II), relatam sua crucificação em Roma, de cabeça para baixo a seu próprio pedido. A versão de que Nero foi o executor de Pedro consolidou-se com o tempo, e o Vaticano foi apontado como local de seu sepultamento. O bispo Eusébio de Cesareia (século IV), citando o presbítero Gaio (início do século III), menciona “troféus dos apóstolos” – memoriais ou túmulos – de Pedro no Vaticano e de Paulo na Via Ostiense.
Com base nessa forte tradição, quando o imperador Constantino decidiu promover o cristianismo no século IV, ele ordenou a construção de uma grande basílica em honra a Pedro, precisamente no Vaticano. O local tradicional do túmulo ficava numa encosta íngreme, parte da necrópole. Para a construção, a colina do Vaticano foi cortada e o vale adjacente aterrado, criando uma plataforma gigantesca. Impressionantemente, boa parte da necrópole foi preservada sob este aterro, ficando praticamente intacta sob o piso da antiga Basílica de São Pedro, inaugurada por volta de 326 d.C.
A nova basílica e suas fundações históricas
A antiga basílica constantiniana, uma das primeiras grandes estruturas subterrâneas do Vaticano a ser coberta, foi visitada por peregrinos por mais de mil anos. No entanto, no início do Renascimento, o Papa Nicolau V (1447) considerou reformas devido ao desgaste acumulado. Foi o Papa Júlio II, em 1506, quem tomou a decisão radical de demolir a antiga basílica e construir uma nova, muito maior e mais grandiosa, no estilo renascentista.
Esta nova basílica, a que conhecemos hoje, levou mais de 120 anos para ser finalizada, sendo consagrada em 1626. Artistas como Michelangelo, Bramante e Rafael contribuíram para sua magnificência. É crucial notar que, durante a construção da antiga basílica, os construtores de Constantino encontraram uma estrutura identificada como o “troféu de Pedro” mencionado por Gaio. Este nicho memorial, de quase 3 metros de altura, tornou-se o eixo central da basílica constantiniana, com o altar principal construído sobre ele. Os arquitetos renascentistas da nova basílica também preservaram essa centralidade, alinhando o novo altar principal com o troféu, que hoje está sob o famoso baldaquino de bronze de Bernini.
A busca arqueológica pelo túmulo de Pedro nas estruturas subterrâneas do Vaticano
Em 1942, durante preparativos para o túmulo do Papa Pio XI nas grutas vaticanas, a antiga necrópole romana foi redescoberta. Sob supervisão do Papa Pio XII, arqueólogos aram uma década escavando este nível das estruturas subterrâneas do Vaticano. Entre as descobertas, fragmentos ósseos foram encontrados numa cavidade próxima ao “troféu de Pedro”.
Na década de 1960, esses ossos foram examinados por um antropólogo, que concluiu pertencerem a um único indivíduo: um homem robusto, falecido entre 60 e 70 anos. Esta descrição seria compatível com o perfil esperado de Pedro. Além disso, a análise indicou que os ossos foram originalmente cobertos por um tecido púrpura com fios de ouro, sugerindo veneração. Outro argumento favorável é a alegação da arqueóloga Margherita Guarducci de ter encontrado, em paredes próximas ao troféu, a inscrição grega “Petros eni” (Pedro está aqui), possivelmente do século II.
O que realmente se sabe sobre os restos mortais de Pedro?
Apesar das evidências aparentemente fortes, existem argumentos contrários significativos. A leitura da inscrição “Petros eni” não é consensual entre os estudiosos, com muitos, incluindo o arqueólogo Antonio Ferrua (participante das escavações originais), expressando ceticismo. Os materiais são frágeis e a interpretação permanece incerta. Mesmo que a inscrição seja autêntica, provaria apenas que alguém, em algum momento, acreditava que Pedro estava ali.
Um segundo problema reside na proveniência dos fragmentos ósseos. A análise inicial dos ossos encontrados na década de 1940 indicou restos de várias pessoas e animais. Os ossos específicos analisados nos anos 60, que formaram o perfil do “homem robusto”, vieram de uma caixa guardada por um funcionário do Vaticano, que alegou tê-los recebido de outro funcionário que os teria retirado do local original. Essa cadeia de custódia duvidosa reduz o peso arqueológico da evidência. Mesmo que os ossos fossem comprovadamente do local e com o perfil descrito, não provaria ser Pedro.
No final da década de 1960, o Papa Paulo VI declarou que os restos mortais de Pedro haviam sido “identificados de maneira convincente”, mas a Igreja Católica não define isso como um dogma. O que a arqueologia confirma inequivocamente sobre as estruturas subterrâneas do Vaticano é que cristãos dos primeiros séculos acreditavam que Pedro estava enterrado ali. Se estavam corretos, permanece uma questão mais de fé do que de prova científica irrefutável. Independentemente disso, o “troféu de Gaio” na antiga necrópole serviu como o eixo fundamental para a construção de um dos monumentos mais importantes da cristandade.