Queda repentina na geração renovável europeia levanta alerta sobre vulnerabilidade elétrica em países que avançam na transição energética, como o Brasil.
O apagão que deixou mais de 50 milhões de pessoas sem energia na Espanha e em Portugal, no início desta semana, trouxe à tona uma preocupação que também atinge o Brasil: a vulnerabilidade do sistema elétrico diante da alta penetração de fontes renováveis, especialmente a energia solar. A queda brusca na produção de eletricidade no sudoeste espanhol causou uma reação em cadeia, interrompendo o fornecimento em grande parte da Península Ibérica e levantando alertas em outras regiões que seguem o mesmo caminho de transição energética.
A desconexão de duas usinas solares em sequência levou à perda de cerca de 15 GW do sistema espanhol em apenas cinco segundos, segundo o operador Red Eléctrica de España (REE). O colapso interrompeu também o fornecimento em parte do sul da França e expôs fragilidades técnicas no equilíbrio da rede elétrica baseada em fontes intermitentes como a solar.
Energia solar gerava 70% da demanda no momento do colapso
De acordo com técnicos espanhóis, o problema ocorreu no momento de pico de produção da energia solar, que respondia por 70% da geração nacional naquele instante. A rápida desconexão dessas fontes derrubou a estabilidade do sistema elétrico, que não conseguiu absorver o impacto, levando ao apagão generalizado.
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A REE já havia alertado, em fevereiro, para os riscos de “desconexões não planejadas” devido ao excesso de geração renovável, incluindo energia solar e eólica. O alerta foi incluído em um relatório enviado à Comissão Nacional do Mercado de Valores (CNMV), responsável por fiscalizar empresas listadas na bolsa espanhola.
O documento mencionava o fechamento progressivo de usinas térmicas e nucleares, o que reduz a chamada “potência firme” do sistema – uma reserva de estabilidade essencial para manter o equilíbrio da rede elétrica durante variações bruscas de geração ou consumo.
Situação semelhante pode ocorrer no Brasil, dizem analistas
No Brasil, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já vem discutindo cenários semelhantes. Um relatório divulgado no início de 2024 apontou que o crescimento acelerado da energia solar em telhados residenciais, comércios e usinas descentralizadas pode sobrecarregar o sistema elétrico nacional em até nove estados nos próximos cinco anos.
A preocupação é com o chamado “fluxo reverso”: quando há excesso de geração local e a energia, em vez de ir da transmissora para o consumidor, segue o caminho inverso, gerando pressão sobre o sistema de transmissão. Essa condição pode provocar sobrecargas e até desligamentos automáticos de segurança, resultando em novos apagões.
Entre os estados apontados como mais suscetíveis a esse tipo de instabilidade estão Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso, Rondônia, Bahia, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Piauí. Todos registram alto crescimento na instalação de painéis solares.
Apagão de 2023 também teve relação com fontes renováveis
O ONS já enfrentou um episódio semelhante em 2023, quando um apagão atingiu quase todo o território brasileiro, afetando cerca de 29 milhões de pessoas. Segundo o relatório técnico divulgado à época, a origem do problema foi uma falha no desempenho de equipamentos de parques eólicos e solares na região do Ceará, próximo à linha de transmissão Quixadá – Fortaleza II.
O documento destacou que os modelos matemáticos que simulavam o comportamento das usinas foram superestimados. Na prática, as usinas não responderam como o previsto durante uma perturbação no sistema, revelando deficiências nos controles de e dinâmico de potência reativa – recurso necessário para manter a estabilidade instantânea do fornecimento.
Transição energética exige mudanças na gestão da rede
A crise registrada na Espanha e em Portugal reforça o que técnicos do setor energético vêm destacando: a transição para uma matriz baseada em renováveis precisa ser acompanhada de investimentos em novas tecnologias de controle, armazenamento e planejamento da infraestrutura elétrica.
Fontes como energia solar e eólica são consideradas intermitentes, ou seja, dependem de fatores externos como radiação solar e vento. Com isso, a produção varia ao longo do dia e das condições climáticas. Sem mecanismos de compensação ou reservas firmes, o sistema elétrico pode entrar em colapso quando há alterações bruscas.
Na Espanha, o episódio de 2024 revelou que nem mesmo os alertas prévios emitidos pelos operadores foram suficientes para evitar o apagão. Um dos principais fatores apontados foi a falta de resposta rápida e coordenada por parte do sistema após a queda na geração solar. A REE agora enfrenta pressão do governo e do setor privado para revisar seus procedimentos e reforçar a segurança da rede.
Plano brasileiro prevê reforço de subestações e mapeamento de risco
Em nota divulgada após a publicação do relatório pelo jornal O Globo, o ONS afirmou que não há risco iminente de apagão no Brasil, mas reconheceu que os cenários futuros exigem atenção. O Plano da Operação Elétrica de Médio Prazo do Sistema Interligado Nacional (SIN) considera a possibilidade de eventos extremos, como sobrecargas provocadas pelo crescimento de geração distribuída.
O operador informou que está realizando o mapeamento completo das subestações mais expostas e elaborando estratégias para controle do fluxo de energia em horários de pico, principalmente no período do meio-dia às 15h – quando a geração por energia solar atinge o máximo em diversas regiões.
Estão em análise projetos para aumento da capacidade de armazenamento energético e controle remoto das usinas solares e eólicas, com o objetivo de aumentar a flexibilidade do sistema e evitar desligamentos automáticos.
Desafios da energia renovável exigem soluções integradas
Apesar dos riscos, a expansão das renováveis é considerada um caminho irreversível na matriz energética global. No entanto, especialistas apontam que a segurança operacional precisa avançar junto com o crescimento da geração limpa.
A experiência de países como Portugal e Espanha indica que confiar apenas na capacidade instalada de energia solar não garante estabilidade. A ausência de fontes de reserva, como hidrelétricas com capacidade de resposta rápida, pode tornar o sistema vulnerável.
Para o Brasil, que já tem uma base hidrelétrica robusta, o desafio está na integração eficiente das fontes e no equilíbrio do fluxo de energia entre as regiões. A instalação crescente de painéis solares em ambientes urbanos e rurais exige uma nova lógica de planejamento e operação da rede nacional.
Fonte: MetSul.com