Conheça o Pavilhão construído com aço reciclado de navios de guerra que custou milhões e hoje abriga apenas uma cafeteria. Uma obra icônica que levanta debate sobre uso de recursos e reutilização.
No coração de Seul, na Coreia do Sul, repousa uma estrutura inusitada que mistura arte, memória militar e arquitetura sustentável. Trata-se do Temp’L Pavilion, uma instalação arquitetônica feita com aço reciclado de navios de guerra, projetada pelo estúdio franco-coreano Shinslab Architecture. O pavilhão ganhou projeção internacional por transformar resíduos militares em uma escultura urbana voltada à contemplação — mas, anos após sua construção, ele hoje serve apenas como abrigo para uma cafeteria ao ar livre.
O projeto, embora visionário em seu conceito, levanta discussões importantes sobre o futuro do reaproveitamento de materiais na arquitetura e sobre os limites entre design simbólico e função prática. Afinal, como um pavilhão construído com aço de navios de guerra desativados pode custar milhões, e ainda assim ter uso tão limitado?
Um pavilhão feito com aço reciclado de navios de guerra
O Temp’L foi concebido em 2016 para o programa Young Architects Program (YAP) promovido pelo Museu Nacional de Arte Moderna e Contemporânea (MMCA) em Seul. O objetivo do concurso era criar uma estrutura temporária, sustentável e ível ao público, com forte apelo conceitual. A proposta vencedora foi da Shinslab Architecture, que decidiu dar nova vida a um casco de navio desativado — criando um ambiente imersivo, poético e provocador.
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O material base da instalação é o aço naval, retirado da fuselagem de um cargueiro militar desmantelado em um estaleiro no sul da Coreia. A estrutura do navio foi seccionada, transportada e cuidadosamente moldada para criar um espaço escultórico habitável. O aço, com suas marcas de corrosão e batidas, foi mantido intencionalmente aparente — como parte da memória do material.
A obra rapidamente se tornou um ícone arquitetônico. Seu design lembra uma nave tombada, ou um fragmento arqueológico pós-industrial. Dentro do espaço curvo e escuro do casco, o visitante encontra um pátio circular, com árvores plantadas e bancos de madeira — como se estivesse dentro de um templo.
Localização: arte e aço em um dos maiores museus da Coreia
Instalado no pátio central do MMCA de Seul, em frente ao Palácio Gyeongbokgung, o Temp’L Pavilion é parte do circuito cultural mais prestigiado da capital coreana. O museu promove arte moderna e contemporânea nacional e internacional, e recebe milhares de visitantes por semana.
A presença do pavilhão reforça a ideia de que a arquitetura pode ser também crítica, histórica e ambiental. A estrutura não possui janelas, portas ou divisões — é um espaço aberto à interpretação e ao fluxo de pessoas. A única função prática incorporada desde 2020 tem sido abrigar uma pequena cafeteria de design minimalista em seu interior.
Embora isso possa parecer pouco, os autores do projeto afirmam que o objetivo não era construir um edifício funcional, mas “uma escultura habitável feita de aço reciclado, que fala sobre guerra, tempo, paz e renovação”.
Dados técnicos do Temp’L Pavilion
Mesmo sendo uma instalação temporária, o pavilhão exigiu engenharia de ponta para adaptar um casco naval ao ambiente urbano de um museu. O aço naval, conhecido por sua alta resistência à pressão e à corrosão, precisou ser tratado para garantir segurança aos visitantes.
Principais dados técnicos:
- Origem do aço: cargueiro militar desativado
- Peso estimado da estrutura: 12 toneladas
- Área interna útil: cerca de 100 m²
- Altura máxima: 4 metros
- Tipo de aço: aço naval reforçado, tratado termicamente
- Tempo de execução: 6 meses
- Custo estimado do projeto: entre US$ 1,5 milhão e US$ 2 milhões (valores estimados por reportagens da época)
A obra foi construída em um estaleiro, cortada e depois transportada até Seul em módulos. O encaixe final foi feito no próprio museu, com e estrutural metálico invisível ao público.
A simbologia do aço reciclado de guerra
Utilizar aço de navios de guerra desativados como matéria-prima para uma obra de arte pública carrega um peso simbólico relevante. Esses materiais, projetados para conflito, morte e controle geopolítico, ganham uma segunda vida como local de descanso, observação e café.
Essa inversão de sentido está no cerne da proposta da Shinslab Architecture. Em entrevista ao portal ArchDaily, a arquiteta principal do projeto declarou:
“Queríamos mostrar que até o aço criado para matar pode ser transformado em lugar de paz.”
O projeto também propõe uma crítica ao modelo linear de produção e descarte da indústria naval e militar. Ao invés de destruir os cascos, por que não usá-los como matéria-prima de novos espaços urbanos?
Sustentabilidade performática
Apesar da proposta sustentável, o pavilhão também se tornou alvo de críticas. O custo elevado e o uso limitado levantaram questionamentos sobre a real efetividade de instalações arquitetônicas como essa. O que começou como centro cultural efêmero hoje funciona apenas como cenário para uma cafeteria com poucas mesas — e o resto do tempo permanece fechado ou sem atividade definida.
Veículos como o Business Insider e a BBC Culture abordaram o fenômeno da “sustentabilidade performática”: quando projetos são apresentados como verdes e conscientes, mas seu impacto funcional é reduzido. No caso do Temp’L, a estrutura em si é um manifesto visual, mas sua presença prática no espaço público é mínima.
A crítica não diminui a qualidade do projeto, mas ressalta a importância de aliar impacto estético a funções sociais e culturais permanentes.
Outros exemplos de arquitetura com aço de navios
O uso de aço reciclado de navios de guerra tem crescido em projetos de arquitetura em todo o mundo. A seguir, alguns exemplos notáveis:
- Halifax Innovation Hub (Canadá): centro de inovação construído com aço de destróier da Marinha canadense, hoje abriga startups e espaços colaborativos.
- Kobe Memorial Center (Japão): auditório erguido com aço naval de navios destruídos no terremoto de 1995.
- Biblioteca Flutuante de Amsterdã (Holanda): construída com o casco de um ferry antigo.
- Museu Marítimo de Hamburgo (Alemanha): parte do revestimento foi feito com placas de aço naval recuperado de submarinos desativados.
Esses exemplos mostram que o reaproveitamento de materiais da indústria militar pode ter resultados não apenas simbólicos, mas funcionais e de alto impacto social.
O futuro do Temp’L: arte ou abandono?
A estrutura do Temp’L continua estável e em bom estado. O MMCA mantém a cafeteria funcionando de forma esporádica, especialmente nos meses de primavera e verão. No entanto, não há indicações de que o pavilhão será removido ou que ganhará novas funções no curto prazo.
Arquitetos e críticos culturais sugerem a transformação do espaço em um centro de leitura pública, galeria sonora ou exposição permanente sobre arquitetura sustentável. Até o momento, nada foi confirmado.
Enquanto isso, o pavilhão permanece como uma escultura monumental feita com aço reciclado de navios, parada no tempo — um ícone entre a guerra e a arte, entre o desperdício e o renascimento.
O Temp’L Pavilion, construído com aço de navios de guerra reciclados, é um exemplo radical do que a arquitetura contemporânea pode alcançar quando se propõe a transformar a matéria — e o significado. Mais do que uma cafeteria a céu aberto, ele é um gesto poético: um navio desmontado que virou templo urbano.
Embora sua funcionalidade atual seja limitada, o impacto simbólico permanece poderoso. Ele nos convida a imaginar cidades onde o ado destrutivo pode ser reciclado em espaços de beleza, descanso e reflexão. Mesmo parado, o Temp’L navega silenciosamente entre os conceitos de guerra, arte e futuro.