Poeira tóxica de Marte pode trazer sérios riscos à saúde de astronautas em futuras missões. Estudo alerta para efeitos respiratórios e inflamatórios. Veja os perigos
Agências espaciais de todo o mundo estão se preparando para enviar missões tripuladas a Marte nas próximas décadas. Mas uma nova pesquisa da Escola de Medicina Keck da Universidade do Sul da Califórnia (USC) acendeu um alerta importante. Tempestades de poeira de Marte podem ser perigosas não somente para equipamentos, mas também para a saúde dos astronautas.
Um planeta coberto de poeira fina e tóxica
Essas tempestades de poeira de Marte não são novidades. A cada ano marciano, que dura cerca de 687 dias terrestres, O planeta vermelho a por tempestades regionais durante o verão no hemisfério sul. A cada três anos marcianos, essas tempestades se intensificam tanto que envolvem todo o planeta e podem ser vistas da Terra.
Em 2018 e 2022, a NASA perdeu duas importantes missões robóticas: o Opportunity Rover e o InSight Lander. Ambos foram afetados por tempestades que impediram o carregamento de seus painéis solares. Mas o novo estudo foca nas futuras missões tripuladas. E os riscos são ainda maiores.
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Poeira de Marte: Estudo revela perigos do regolito marciano
A pesquisa foi liderada por Justin L. Wang, doutor em medicina pela USC. Ele contou com apoio de colegas da Keck School of Medicine, da UCLA, da UC Boulder e do Centro Espacial Johnson da NASA. O artigo com os resultados foi publicado no periódico GeoHealth no dia 12 de fevereiro.
O estudo mostra que os riscos para seres humanos em Marte vão muito além da exposição à radiação e da microgravidade. Há também sérias preocupações com o regolito marciano — a poeira presente na superfície do planeta vermelho.
Segundo Wang, a poeira marciana contém sílica, pó de ferro de basalto e ferro nanofásico. Essas partículas são altamente reativas aos pulmões. E o tamanho delas é tão pequeno que ultraa a capacidade de filtragem natural do corpo humano. Ou seja, é difícil eliminá-las pelo muco pulmonar.
“Há muitos elementos tóxicos potenciais aos quais os astronautas podem ser expostos em Marte. Mais criticamente, há uma abundância de pó de sílica, além de pó de ferro de basalto e ferro nanofásico, ambos reativos aos pulmões e que podem causar doenças respiratórias“, explicou Wang ao Universe Today por e-mail.
“O que torna o pó em Marte mais perigoso é que o tamanho médio das partículas de pó em Marte é muito menor do que o tamanho mínimo que o muco em nossos pulmões é capaz de expelir, então elas têm mais probabilidade de causar doenças“, concluiu Wang.
Experiência lunar serve de alerta
A experiência da missão Apollo na Lua também serve de alerta. Astronautas relataram que a poeira lunar grudava nos trajes espaciais e se espalhava por toda a nave. Depois do retorno à Terra, muitos relataram tosse, irritação na garganta e olhos lacrimejantes.
Um estudo da NASA feito em 2005 analisou os relatos dos astronautas da Apollo. Foi concluído que os maiores riscos da poeira lunar eram a irritação ocular, problemas respiratórios e obscurecimento da visão. Com Marte, a situação pode ser ainda mais complicada.
“A sílica causa diretamente a silicose, que normalmente é considerada uma doença ocupacional para trabalhadores expostos à sílica (ou seja, mineração e construção). A silicose e a exposição à poeira tóxica de ferro assemelham-se à pneumoconiose dos mineiros de carvão, que é comum em mineradores de carvão e é coloquialmente conhecida como doença do pulmão negro“, disse Wang.
Composição perigosa e pouco compreendida
Além da sílica, a poeira marciana pode conter percloratos, óxidos de ferro, gesso e metais tóxicos como cromo, berílio, arsênio e cádmio. A abundância desses elementos ainda não é bem compreendida. Mas seus efeitos são bem documentados aqui na Terra.
A pesquisa destaca outro ponto crítico: a distância entre Marte e a Terra. Em 2003, os planetas chegaram à menor distância dos últimos 50 mil anos: 55 milhões de quilômetros. Mesmo assim, a viagem levaria de seis a nove meses só de ida.
Com isso, uma missão completa pode durar até três anos. Durante esse período, os astronautas ariam um bom tempo vivendo em gravidade reduzida, que é somente 36,5% da terrestre. Isso traz riscos como atrofia muscular, perda de massa óssea e enfraquecimento do sistema cardiovascular.
Além disso, há a exposição constante à radiação espacial. Isso pode causar doenças pulmonares e agravar os efeitos do pó tóxico.
“É significativamente mais difícil tratar astronautas em Marte para doenças porque o tempo de trânsito é significativamente maior do que em outras missões anteriores para a ISS e a Lua. Neste caso, precisamos estar preparados para uma ampla gama de problemas de saúde que os astronautas podem desenvolver em suas missões de longa duração“, explicou Wang e sua equipe.
“Além disso, [a microgravidade e a radiação] impactam negativamente o corpo humano, podem tornar os astronautas mais suscetíveis a doenças e complicar os tratamentos. Em particular, a exposição à radiação pode causar doenças pulmonares, o que pode agravar os efeitos que a poeira terá nos pulmões dos astronautas“, concluiu.
Poeira tóxica de Marte: prevenção é o melhor remédio
Os autores do estudo enfatizam a necessidade de prevenção. Eles sugerem que habitats em Marte devem ser protegidos contra a entrada de poeira. Também é essencial desenvolver filtros eficientes para evitar a contaminação do ar.
Mesmo com essas medidas, alguma poeira ainda deve entrar. Isso se torna provável durante as tempestades, quando a manutenção de um ambiente limpo se torna mais difícil. Por isso, a pesquisa aponta possíveis contramedidas médicas.
Estudos anteriores mostram que a vitamina C pode ajudar contra os efeitos do cromo e o iodo e pode ser útil contra problemas de tireoide causados por percloratos. Mas Wang alerta para os riscos dessas soluções.
O uso excessivo de vitamina C pode provocar pedras nos rins, algo já comum entre astronautas após longas estadias em microgravidade. Já o excesso de iodo pode causar os mesmos problemas de tireoide que se pretende evitar.
Caminhos para o futuro da exploração espacial
A pesquisa mostra que agências espaciais já estão desenvolvendo soluções contra o regolito marciano. Há estudos com sprays especiais, feixes de elétrons e revestimentos protetores. Outros trabalhos investigam o comportamento da poeira para entender como ela se move e se acumula.
Com o avanço do Programa Artemis e os planos de enviar humanos a Marte, o estudo reforça que os desafios vão além da engenharia. A saúde dos astronautas precisa ser prioridade, com soluções eficazes para prevenir e tratar possíveis doenças causadas pela poeira de Marte.
Segundo os autores, garantir a autossuficiência médica durante essas missões será essencial. A distância impede resgates rápidos e dificulta o envio de suprimentos. Portanto, estratégias bem definidas de prevenção e tratamento são fundamentais para o sucesso das futuras expedições humanas a Marte.
Com informações de Science Alert.