Com investimentos bilionários, Estados Unidos tentam reativar sua indústria naval, hoje enfraquecida. Liderada por Donald Trump e apoiada por membros do Congresso, a iniciativa visa reduzir a dependência de estaleiros asiáticos.
Diante da crescente influência da China na construção naval global, os Estados Unidos decidiram agir para evitar maior perda de autonomia no setor marítimo. A resposta vem em forma de um ambicioso plano de reestruturação da indústria naval americana, liderado pelo presidente Donald Trump, que voltou a colocar o tema no centro das prioridades nacionais.
“Estamos muito, muito, muito atrás”, declarou Trump ao uma ordem executiva voltada ao setor naval. O presidente deixou claro que pretende mobilizar recursos federais significativos para viabilizar essa reviravolta industrial. “Vamos gastar muito dinheiro nisso”, reforçou.
China domina a indústria naval global
Os números ajudam a dimensionar o desafio. Estaleiros chineses entregaram 6.765 navios comerciais na última década, quase metade da produção mundial.
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Em comparação, os EUA construíram apenas 37 embarcações no mesmo período. Já países aliados como Japão e Coreia do Sul entregaram 3.130 e 2.405 navios, respectivamente.
Esse domínio chinês preocupa Washington, especialmente diante do papel estratégico que o setor exerce em logística, defesa e comércio exterior.
Para autoridades e especialistas ligados à segurança nacional, manter a indústria naval dos Estados Unidos enfraquecida é arriscado em tempos de tensões geopolíticas.
Estaleiro na Filadélfia se torna vitrine da retomada
Um dos símbolos dessa retomada está localizado no sul da Filadélfia. O antigo estaleiro naval da cidade, adquirido recentemente pela empresa sul-coreana Hanwha, representa tanto a esperança quanto os obstáculos do projeto.
“A indústria naval americana está pronta para crescer”, afirmou David Kim, CEO da Hanwha Philly Shipyard. No entanto, ele ressalta que o crescimento depende de políticas públicas consistentes, como encomendas regulares e medidas de proteção à produção nacional.
A Hanwha planeja modernizar as operações no local, implementando tecnologias como soldagem automatizada, mas ainda não revelou o valor total dos investimentos além dos US$ 100 milhões gastos na aquisição.
Apesar do entusiasmo, as limitações são evidentes. O estaleiro da Filadélfia só terá capacidade para novos projetos a partir de 2027.
Além disso, construir um navio nos EUA pode custar até cinco vezes mais do que na Ásia. Enquanto a unidade sul-coreana da Hanwha entrega um navio por semana, a versão americana fabrica, em média, um e meio por ano.
Essa discrepância de escala e eficiência preocupa analistas. Segundo James Lightbourn, da Cavalier Shipping, um navio produzido sob a Lei Jones — que exige construção nos EUA para rotas entre portos americanos — pode custar US$ 330 milhões. Um modelo semelhante feito na Ásia sai por cerca de US$ 70 milhões.
Congresso propõe frota estratégica com subsídios milionários
Para tentar equilibrar a balança, o Congresso dos Estados Unidos está debatendo um projeto de lei que prevê a criação de uma frota comercial estratégica, composta por 250 navios fabricados no país e tripulados por cidadãos americanos. A proposta inclui incentivos fiscais e subsídios diretos a empresas que participarem do programa.
Essas embarcações poderiam ser acionadas em tempos de crise pelo Departamento de Defesa, oferecendo flexibilidade logística em cenários de guerra ou bloqueios comerciais.
No entanto, críticos temem que a medida se transforme em subsídios permanentes para fabricantes pouco competitivos, enquanto outros defendem a compra de navios de aliados experientes como Japão e Coreia do Sul.
Qualificação de mão de obra é desafio da indústria naval americana
Além dos custos elevados, a escassez de mão de obra qualificada é uma barreira real para o renascimento da indústria naval dos Estados Unidos.
A Hanwha pretende dobrar seu quadro de funcionários, ando de 1.500 para cerca de 3.000 em menos de uma década. Só em 2025, o número de aprendizes deve subir de 120 para 240.
Niecey Zlomek, uma das novas contratadas, compartilhou sua experiência após entrar no programa: “É provavelmente o melhor emprego que tive desde que vim para cá”, contou. Ela já trabalhou em três embarcações, instalando sistemas de propulsão e equipamentos pesados.
Mesmo assim, a retenção continua sendo um problema. “Muitos funcionários largam o emprego ainda no primeiro ano”, disse Brett Seidle, secretário adjunto interino da Marinha. Para tentar contornar essa situação, o projeto legislativo também contempla subvenções para formar e manter tripulações nacionais.
Navios de GNL: novo foco da inovação americana
Outra aposta estratégica do plano de Trump está nos navios de transporte de gás natural liquefeito (GNL). Considerados mais complexos de fabricar, esses navios são essenciais para o futuro energético dos EUA. As novas diretrizes do governo exigem que uma parte crescente dessa frota seja feita em território americano.
A Hanwha, que já produziu mais de 200 embarcações desse tipo na Coreia, acredita que sua unidade na Filadélfia tem potencial para se tornar um centro de referência no segmento, desde que os investimentos e políticas públicas acompanhem a ambição do projeto.
A reconstrução da indústria naval americana representa um esforço nacional para recuperar autonomia industrial e reduzir a vulnerabilidade estratégica frente à China.
Embora o projeto conte com forte apoio político e empresarial, seu sucesso depende de fatores como inovação tecnológica, capacitação de trabalhadores e comprometimento fiscal de longo prazo.
Como afirmou David Kim, “não se trata só de negócios. É uma questão de país, de trabalho e de prioridades estratégicas.”
Fonte: Folha