Relatório revela desequilíbrio bilionário nos incentivos energéticos do Brasil. Mesmo com avanço das renováveis, o governo segue priorizando o setor fóssil, colocando em risco a transição climática e pressionando o bolso dos consumidores com aumentos silenciosos nas tarifas de energia.
Disparidade bilionária expõe desequilíbrio nas políticas energéticas brasileiras
Para cada real investido em energia renovável no Brasil, o governo federal destina R$ 4,52 a subsídios para combustíveis fósseis.
Esse dado alarmante faz parte da 7ª edição do relatório de monitoramento dos subsídios energéticos, elaborado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e atualizado até março de 2025.
No total, os incentivos públicos para petróleo, gás e carvão seguem massivos, enquanto fontes limpas como solar, eólica e biomassa continuam com recursos reduzidos.
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O levantamento mostra que, embora os investimentos em renováveis tenham crescido, os combustíveis fósseis ainda dominam o orçamento energético nacional.
Subsídios somaram quase R$ 100 bilhões em 2023
Em 2023, o total de subsídios energéticos concedidos pelo Governo Federal atingiu R$ 99,81 bilhões.
Esse valor representa um crescimento de 3,57% em relação a 2022.
Embora tenha havido um aumento expressivo nos aportes destinados às fontes renováveis — de R$ 14,24 bilhões para R$ 18,06 bilhões —, os combustíveis fósseis ainda concentram R$ 81,74 bilhões, ou 81,9% do total.
Esse valor inclui tanto o que o Estado deixou de arrecadar com renúncias fiscais quanto o que foi efetivamente pago para sustentar essa cadeia produtiva.
A discrepância reforça a dependência do Brasil de fontes não sustentáveis, mesmo em um contexto de urgência climática.
Energia limpa avança, mas não vence o petróleo
De acordo com o INESC, o aumento no apoio às renováveis foi impulsionado por programas como o Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas), o Reidi (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura) e a geração distribuída.
Esses programas são fundamentais para viabilizar a expansão da matriz energética limpa no país.
Mesmo com o crescimento de quase 27% nos incentivos para fontes renováveis, o montante total ainda representa apenas uma fração do que é destinado à indústria fóssil.
Cássio Cardoso Carvalho, assessor político do Inesc, destaca que essa disparidade coloca em risco a transição energética brasileira.
“Enquanto o Governo Federal não rever os valores dessa espécie de ‘Bolsa Petróleo’ para o setor, a transição energética segue prejudicada”, alerta.
Além disso, o estudo mostra que os custos da energia limpa estão sendo arcados principalmente pelos consumidores, via tarifas na conta de luz.
“Já o setor de óleo e gás continua recebendo isenções generosas, sem contrapartidas claras”, acrescenta Carvalho.
Contradições na política fiscal energética
Apesar de uma pequena queda de 0,45% nos subsídios ao consumo de combustíveis fósseis em 2023, o valor total continuou alto devido à manutenção de incentivos à produção.
A redução foi resultado da retomada parcial da cobrança de tributos como Cide e PIS/Cofins sobre a gasolina.
No entanto, a isenção fiscal sobre o diesel foi mantida, impedindo uma economia mais significativa para os cofres públicos.
Segundo o Inesc, a modalidade de subsídio mais relevante à indústria fóssil é o Repetro, um regime tributário especial que permite amplas renúncias fiscais para empresas que exploram petróleo e gás natural.
Somente em 2023, os incentivos à produção aumentaram R$ 5,55 bilhões, justamente por causa do crescimento das isenções no Repetro.
Essa tendência revela uma política contraditória: enquanto se reduz apoio ao consumidor, amplia-se o incentivo à extração de combustíveis que mais contribuem para o aquecimento global.
A conta da transição energética ainda recai sobre o consumidor
Outro dado preocupante revelado pelo relatório é que os incentivos às fontes renováveis são majoritariamente financiados pelos próprios consumidores.
Esses recursos são reados por meio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um fundo setorial que impacta diretamente o valor da tarifa de energia elétrica.
Ou seja, a população brasileira está pagando pela expansão da energia limpa, enquanto grandes empresas continuam isentas na exploração de petróleo.
Essa estrutura desigual desafia o próprio conceito de justiça climática e distributiva.
Compromissos internacionais e contradições domésticas
A assessora política Alessandra Cardoso, também autora do relatório, afirma que o fim dos subsídios ineficientes aos fósseis é um compromisso assumido internacionalmente, especialmente na COP 28.
“O governo precisa reconhecer que os incentivos à produção de combustíveis fósseis são um problema doméstico que requer enfrentamento urgente”, declara.
Ela lembra que o Brasil terá papel central na próxima conferência climática global, a COP 30, marcada para 2025 em Belém do Pará, na Amazônia.
A realização do evento em território brasileiro exige que o país se comprometa com ações coerentes e transparentes.
“Quanto maior a renúncia fiscal aos fósseis, menor é o orçamento disponível para enfrentar os impactos das mudanças climáticas”, afirma Alessandra.
Ela destaca que a substituição progressiva dos combustíveis fósseis por fontes renováveis não é apenas uma meta ambiental, mas uma questão de responsabilidade econômica e social.
O caminho para uma política energética mais equilibrada
Atualmente, o Brasil possui uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, com cerca de 83% da energia gerada por fontes renováveis.
No entanto, isso não se reflete na política de subsídios, que ainda favorece amplamente o setor fóssil.
Especialistas apontam que rever essa estrutura é essencial para atrair investimentos sustentáveis, reduzir desigualdades e cumprir metas ambientais globais.
A pressão por mudanças deve crescer à medida que a opinião pública se torna mais consciente dos impactos ambientais e sociais da energia que consome.
A reformulação dos subsídios energéticos no Brasil é, portanto, uma questão estratégica — não apenas para o meio ambiente, mas para a economia e o bem-estar da população.