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No Brasil, o amianto deixou um legado tóxico que ainda ameaça milhões de lares; telhados antigos carregam um risco mortal ignorado por décadas

Escrito por Noel Budeguer
Publicado em 18/05/2025 às 09:20
telhados - amianto - Brasil
No Brasil, o amianto deixou um legado tóxico que ainda ameaça milhões de lares; telhados antigos carregam um risco mortal ignorado por décadas

Apesar da proibição imposta pelo STF em 2017, o amianto ainda está presente em milhões de estruturas no Brasil, representando um risco comprovado à saúde pública e ao meio ambiente

Durante décadas, o amianto foi amplamente utilizado na construção civil brasileira, principalmente na fabricação de telhas, caixas d’água e revestimentos térmicos. Sua popularidade era justificada pelo baixo custo, resistência ao calor e longa durabilidade. No entanto, esse aparente “milagre industrial” esconde um inimigo silencioso, responsável por milhares de mortes em todo o mundo.

Neste artigo, explicamos por que o Brasil proibiu o amianto, os riscos à saúde associados à exposição prolongada e os desafios atuais enfrentados por trabalhadores, empresas e governos para remover e substituir estruturas antigas contaminadas com o mineral.

O que é amianto?

O amianto, ou asbesto, é um nome genérico dado a um conjunto de minerais fibrosos encontrados naturalmente em rochas. Existem dois tipos principais:

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  • Amianto crisotila (asbesto branco): o único tipo que ainda era legalizado no Brasil até 2017.
  • Amianto anfibólio (como a crocidolita): mais perigoso e banido anteriormente.

Ambos possuem alta resistência térmica. Por isso, foram amplamente usados em materiais de construção, freios automotivos e equipamentos industriais.

Proibição nacional e decisões do STF

Em 29 de novembro de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional a Lei Federal nº 9.055/1995, que ainda permitia o uso controlado do amianto tipo crisotila. Por 7 votos a 2, os ministros decidiram pela proibição total da extração, industrialização e comercialização da substância em todo o território nacional.

Segundo o então relator do processo, ministro Dias Toffoli, “o direito à saúde e à vida deve prevalecer sobre os interesses econômicos da indústria”. A decisão se estendeu a todo o território nacional, mesmo para estados como Goiás, onde a mineradora SAMA ainda explorava amianto para exportação.

Em 2025, o STF reforçou o entendimento de que não é possível manter a mineração de amianto no Brasil nem para exportação, consolidando o banimento completo da cadeia produtiva.

Riscos graves à saúde

A inalação de fibras de amianto é extremamente perigosa. Por serem microscópicas, essas partículas podem permanecer suspensas no ar e serem respiradas sem que a pessoa perceba. Uma vez alojadas nos pulmões, provocam inflamações e mutações celulares que podem evoluir para doenças graves e fatais, entre elas:

  • Asbestose: fibrose pulmonar irreversível que dificulta a respiração.
  • Mesotelioma: tipo raro de câncer que atinge o revestimento dos pulmões (pleura) ou do abdômen (peritônio), com altas taxas de mortalidade.
  • Câncer de pulmão: risco amplamente aumentado com a exposição crônica.

Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), não existe nível seguro de exposição ao amianto, e até mesmo exposições curtas podem ser perigosas.

Vítimas e depoimentos reais

Eliezer João de Souza, presidente da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA), é uma das vozes mais ativas na luta contra a substância. Ex-funcionário da Eternit, Eliezer desenvolveu problemas respiratórios após anos de trabalho com produtos de amianto.

“O amianto tem que ser extirpado da face da Terra. Quanto mais tempo demorarmos para abolir o amianto, mais gente vai morrer por causa dele”, afirmou em conferência internacional realizada pela ANAMT.

Outra voz importante é a da engenheira civil Fernanda Giannasi, ex-auditora do Ministério do Trabalho e fundadora da Rede Virtual de Banimento do Amianto na América Latina. Giannasi alerta:

“A contaminação é difusa, silenciosa e mata no anonimato. Só os exames e necropsias conseguem relacionar as mortes ao amianto. A indústria lucra, mas a sociedade paga com vidas.”

Telhados de amianto ainda estão por toda parte

Apesar da proibição, milhões de residências brasileiras ainda possuem telhados de amianto. Como o material tem longa durabilidade, muitas casas construídas entre as décadas de 1970 e 2000 ainda mantêm estruturas contaminadas.

Em São Paulo, um levantamento da prefeitura indicou que ao menos 20% dos domicílios da zona leste ainda possuem telhas de amianto. O risco se torna maior quando as telhas envelhecem, racham ou sofrem intervenções (como cortes, furos ou quebras), liberando fibras no ar.

Remoção segura: um desafio urgente

A remoção de telhados com amianto não é simples nem barata. A legislação brasileira determina que:

  • A substituição deve ser feita por empresas especializadas e licenciadas.
  • Os resíduos devem ser acondicionados em sacos impermeáveis, rotulados e descartados em aterros industriais autorizados.
  • Trabalhadores devem usar EPI completo, com máscaras de filtro P3, macacão descartável e luvas.

A cidade de São Paulo, por exemplo, criou em 2023 um programa piloto para oferecer incentivos à substituição de telhas contaminadas em escolas e unidades de saúde, com apoio do Ministério do Meio Ambiente.

Alternativas seguras e sustentáveis

Com o fim da produção de telhas de amianto, surgiram alternativas viáveis no mercado:

  • Telhas de fibrocimento sem amianto: feitas com fibras vegetais, polipropileno ou PVA.
  • Telhas de PVC e PET reciclado: leves e resistentes à corrosão.
  • Telhas metálicas e cerâmicas: mais caras, mas com maior durabilidade.

Esses materiais já estão sendo utilizados em grandes obras públicas e têm aprovação da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).

Responsabilidade social e indenizações

O reconhecimento dos danos causados pelo amianto resultou em centenas de ações judiciais contra empresas como Eternit e SAMA. Em 2019, a Eternit foi condenada a pagar R$ 30 milhões por danos morais coletivos.

Além disso, ex-funcionários contaminados têm direito a aposentadoria especial, tratamento pelo SUS e indenização individual, dependendo da comprovação do nexo causal.

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O amianto representa um dos maiores escândalos de saúde ocupacional do século XX no Brasil. Mesmo com a proibição, ainda estamos longe de resolver os ivos ambientais e sanitários herdados por décadas de uso desenfreado.

A remoção segura dos telhados, a substituição por materiais livres de amianto e o acompanhamento das vítimas devem ser prioridade das políticas públicas nos próximos anos. O conhecimento e a pressão da sociedade são fundamentais para garantir que os erros do ado não se repitam.

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FERNANDA GIANNASI
FERNANDA GIANNASI
18/05/2025 23:28

Noel, parabéns pelo excelente artigo que, além de didático, demonstra uma ampla pesquisa sobre este mineral cancerígeno e tema tão caro para nós da ABREA-Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto.

ELIEZER JOÃO DE SOUZA
ELIEZER JOÃO DE SOUZA
18/05/2025 23:44

A ABREA-Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto, que representa os familiares e vítimas do amianto, agradece a excelente matéria sobre o amianto.

Noel Budeguer

Sou jornalista argentino, actualmente radicado en Río de Janeiro, Brasil, con trayectoria enfocada en la cobertura de temas militares, defensa, ciencia, tecnología, energía y geopolítica. Mi objetivo es traducir información técnica y compleja en contenidos accesibles y relevantes para un público amplio, siempre manteniendo el rigor periodístico. Sou apaixonado por explorar como a tecnologia y defensa impactam a sociedade eo desenvolvimento econômico. https://muckrack.com/noel-budeguer?

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