Capaz de escavar o equivalente a três piscinas olímpicas por hora e transportar o material por até 15 km, a Tian Kun Hao é a maior draga de sucção de corte da Ásia — e o símbolo de uma nova era geopolítica e tecnológica no Mar do Sul da China.
Batizada com o nome de uma criatura mítica chinesa, a Tian Kun Hao é mais que um navio — é uma poderosa ferramenta de engenharia e uma peça estratégica na disputa por influência marítima. Com 140 metros de comprimento, a embarcação foi projetada para escavar, sugar e transportar grandes volumes de areia e rocha do fundo do mar para criação de ilhas artificiais, portos e obras de infraestrutura costeira. Apelidada pela mídia estatal como o “criador mágico de ilhas”, ou navio que “cava” o mar, a draga Tian Kun Hao representa o que há de mais avançado na tecnologia de dragagem de sucção de corte, sendo capaz de trabalhar a 35 metros de profundidade e deslocar até 6 mil metros cúbicos de material por hora.
O que é uma draga de sucção de corte?
A Tian Kun Hao é classificada como uma draga de sucção com cortador (Cutter Suction Dredger – CSD), um tipo de navio que usa uma cabeça rotativa de corte para desintegrar sedimentos sólidos no fundo do mar, sugando o material por meio de tubos de sucção e enviando-o a grandes distâncias através de dutos ou lança direta.
No caso da Tian Kun Hao, esse sistema permite que o navio escave terra, areia, lama, cascalho, rocha coralina e sedimentos consolidados, tornando-a ideal tanto para engenharia civil quanto para uso militar.
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Seu diferencial está na capacidade de movimentar material a uma distância de até 15 km, o que a torna perfeita para formar novas ilhas, ampliar áreas costeiras ou construir portos sem necessidade de equipamentos adicionais.
Principais características da Tian Kun Hao
Especificação | Detalhe |
---|---|
Nome | Tian Kun Hao |
Significado | Nome mitológico (peixe que vira pássaro) |
Tipo de navio | Draga de sucção de corte |
Comprimento | 140 metros |
Capacidade de escavação | 6.000 m³ por hora |
Profundidade de dragagem | Até 35 metros abaixo do nível do mar |
Alcance de transporte | Até 15 km de distância |
Materiais que pode escavar | Areia, lama, rocha, coral, cascalho |
Local de construção | Instituto de Estudo Marítimo de Xangai |
Empresa operadora | China Harbour Engineering Company (CHEC) |
Essa embarcação representa o auge da engenharia marítima chinesa e possui um dos maiores cortadores do mundo, reforçando a posição da China como potência em infraestrutura offshore.
Da engenharia à geopolítica: uma draga que incomoda
A apresentação oficial da Tian Kun Hao ocorreu estrategicamente na véspera da visita do então presidente dos EUA, Donald Trump, à China, em um momento em que as tensões territoriais no Mar do Sul da China estavam em alta.
A embarcação despertou atenção mundial por sua potencial aplicação militar. Países como Filipinas, Vietnã, Malásia, Brunei e Taiwan acusam Pequim de usar dragas como a Tian Kun Hao para transformar recifes em bases artificiais — uma forma de expandir presença em áreas marítimas disputadas.
A principal preocupação recai sobre o Arrecife Scarborough, uma zona altamente sensível na região. Segundo analistas, o uso do navio para construir infraestrutura ali seria visto por muitos como uma “linha vermelha” em termos diplomáticos, podendo gerar forte reação internacional.
Como o navio “cria” uma ilha artificial?
A tecnologia da Tian Kun Hao permite literalmente esculpir e realocar o fundo do mar. O processo segue as seguintes etapas:
- Corte do fundo marinho com o cortador rotativo na extremidade da embarcação.
- Sucção de sedimentos, fragmentos de rochas e areia.
- Transporte hidráulico por dutos que se estendem até 15 km da embarcação.
- Depósito controlado do material em local predeterminado, criando volume e massa.
- Compactação e estabilização, geralmente com uso de máquinas terrestres ou embarcações auxiliares.
Esse processo possibilita aumentar a área útil de território, alargar portos, construir zonas industriais costeiras e — como no caso chinês — estabelecer presença física em áreas marítimas contestadas.
A Tian Kun Hao nos Emirados Árabes
Em 2024, a draga chinesa foi enviada para Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, onde participa de um projeto de recuperação e dragagem da Ilha Hudayriyat.
O objetivo é transformar a ilha em um polo turístico e residencial de alto padrão, com marinas, resorts e vias de o ampliadas. A presença da Tian Kun Hao no Golfo Pérsico reforça o interesse global por sua capacidade técnica e sua importância como instrumento de influência da China no exterior.
O nome Tian Kun Hao é carregado de simbolismo. Ele remete à figura mitológica chinesa do “Kun”, um enorme peixe que se transforma no pássaro lendário “Peng”, capaz de voar por milhares de quilômetros.
Na prática, o nome representa a ideia de transformação e domínio sobre o espaço, tanto natural quanto territorial. É uma metáfora ideal para um navio que literalmente move terras oceânicas para criar novos espaços de soberania.
Por que a Tian Kun Hao gera tensão no Mar do Sul da China?
O Mar do Sul da China é uma das regiões mais disputadas do mundo. Riquíssimo em recursos naturais e vital para as rotas comerciais globais, ele é reivindicado por vários países asiáticos — mas a China afirma ter soberania sobre quase 90% da área, com base em mapas históricos.
A construção de ilhas artificiais é parte central dessa disputa. Desde 2014, a China vem transformando recifes e atolados em instalações militares com pistas de pouso, radares e sistemas de mísseis. E navios como a Tian Kun Hao são as ferramentas que tornam isso possível.
Segundo analistas internacionais, o lançamento público do navio com pompa e propaganda não foi apenas demonstração de tecnologia, mas uma declaração política de intenções.
Tecnologia avançada, mas com riscos ambientais
Apesar da eficiência, o uso extensivo de dragas como a Tian Kun Hao levanta preocupações ambientais sérias:
- Destruição de recifes de coral, essenciais para biodiversidade marinha
- Turbidez da água, que afeta a fotossíntese de organismos subaquáticos
- Impacto na pesca artesanal, especialmente em regiões costeiras
- Aumento de erosão, devido a alterações na dinâmica de sedimentos
ONGs ambientais e grupos de pesquisa alertam que a criação de ilhas artificiais pode gerar desequilíbrios ecológicos irreversíveis, especialmente se feita em larga escala, como no caso chinês.
A diferença entre dragagem civil e militar
A dragagem civil é amplamente utilizada em todo o mundo para expandir portos, aprofundar canais e combater o assoreamento de rios. Já a dragagem com fins militares ou geopolíticos, como no Mar do Sul da China, muda o equilíbrio estratégico em áreas disputadas.
A Tian Kun Hao pode ser usada em ambos os contextos, mas sua capacidade e alcance tornam a embarcação altamente sensível em regiões politicamente instáveis.
A Tian Kun Hao, o navio que “cava” o mar, é um símbolo da ambição chinesa no domínio marítimo e da capacidade tecnológica do país em construir onde antes só havia oceano.
Com um desempenho que impressiona — escavando até 6 mil metros cúbicos por hora e lançando esse volume a até 15 km de distância —, a embarcação representa o que há de mais moderno na engenharia naval de dragagem.
Mas, além da engenharia, ela levanta debates sobre soberania, preservação ambiental, equilíbrio militar e expansão territorial. Um único navio, portanto, com poder suficiente para redesenhar o mapa — literal e politicamente.