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O trem-bala chinês foi projetado para alcançar 350 km/h e gerar uma grande mudança no transporte — mas algumas rotas estão dando prejuízo bilionário

Escrito por Valdemar Medeiros
Publicado em 01/06/2025 às 13:37
O trem-bala chinês foi projetado para alcançar 350 kmh e gerar uma grande mudança no transporte
Foto: IA + Adobe PS

A China criou a maior rede de trens de alta velocidade do mundo, mas enfrenta prejuízos bilionários em diversas rotas. Entenda os desafios da infraestrutura ferroviária chinesa e o futuro do trem-bala.

A China construiu a maior rede de trens de alta velocidade do mundo. Com trilhos que se estendem por mais de 42 mil quilômetros — o suficiente para circundar a Terra — o país revolucionou a infraestrutura ferroviária chinesa em tempo recorde. Projetado para operar a impressionantes 350 km/h, o trem-bala da China tornou-se símbolo do desenvolvimento moderno e do poder tecnológico nacional. No entanto, por trás da eficiência, velocidade e visibilidade internacional, está surgindo um cenário menos ideal: prejuízos bilionários em algumas linhas de alta velocidade, que lançam dúvidas sobre a sustentabilidade financeira do modelo.

O nascimento da rede de trem-bala na China

O ambicioso plano ferroviário chinês teve início nos anos 2000, com investimentos maciços do governo central em um sistema de transporte nacional interligado. A primeira linha de alta velocidade foi inaugurada em 2008 entre Pequim e Tianjin. Desde então, o crescimento foi exponencial, impulsionado por metas do Partido Comunista de integrar economicamente diferentes regiões do país, reduzir o tempo de deslocamento e estimular o crescimento urbano.

Hoje, a alta velocidade ferroviária conecta praticamente todas as grandes metrópoles chinesas. A tecnologia do trem-bala na China foi desenvolvida em parceria com empresas estrangeiras como Siemens, Alstom, Bombardier e Kawasaki, mas em pouco tempo foi nacionalizada e aprimorada localmente pela CRRC (China Railway Rolling Stock Corporation), consolidando o domínio tecnológico doméstico.

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Por que o trem-bala da China é considerado o mais avançado do mundo?

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A China não apenas possui a maior rede de trens de alta velocidade, como também é líder em velocidade operacional, regularidade de serviço, eficiência energética e inovação em materiais.

As composições mais modernas, como o Fuxing Hao, são capazes de manter velocidade média de 350 km/h com conforto, estabilidade e emissão reduzida de poluentes. O design aerodinâmico, o sistema de sinalização baseado em inteligência artificial e os trilhos de última geração fazem da malha chinesa um modelo irado globalmente.

Além disso, as principais estações de trem foram transformadas em centros logísticos e comerciais, com integração total entre transporte urbano, ferroviário e interestadual.

O custo da ambição: investimentos colossais

A expansão da rede custou caro. Segundo dados do Ministério de Transportes da China e do Banco Mundial, os investimentos totais ultraaram os US$ 1,3 trilhão em pouco mais de duas décadas. Grande parte desses recursos veio de financiamento público, títulos emitidos por companhias ferroviárias estatais e parcerias com governos locais.

As principais operadoras, como a China State Railway Group Co. (China Railway), acumularam dívidas superiores a US$ 900 bilhões. E embora as linhas mais populares, como Pequim–Xangai ou Guangzhou–Shenzhen–Hong Kong, gerem lucro e operem com alta ocupação, isso está longe de ser regra.

Em muitas regiões menos densas, o fluxo de ageiros não cobre os custos de operação, manutenção e amortização da dívida.

Prejuízos em trens de alta velocidade: o que dizem os dados?

De acordo com o relatório financeiro da China Railway divulgado pela Bloomberg e pelo South China Morning Post, as operações ferroviárias acumulam déficits operacionais significativos em diversas linhas do interior. Entre os casos mais citados está a linha Lanzhou–Ürümqi, que liga regiões desertas do oeste do país. A ocupação média chega a apenas 30% da capacidade, o que torna a operação deficitária.

Além disso, o relatório anual da empresa indica que apenas três das vinte principais rotas de alta velocidade são lucrativas. As demais dependem de subsídios ou estão endividadas, com retorno previsto apenas para daqui a 20 ou 30 anos — se houver crescimento populacional e urbano nas regiões atendidas.

Em 2023, a dívida consolidada do setor ultraou 6,3 trilhões de yuans (aproximadamente US$ 870 bilhões), e há sinais de que novas expansões podem ser suspensas ou reavaliadas em nome da viabilidade econômica.

Motivações políticas por trás da expansão ferroviária

Especialistas apontam que a construção da malha de alta velocidade nem sempre obedeceu critérios econômicos. Em muitos casos, a motivação foi geopolítica e estratégica, especialmente no interior do país, onde o governo desejava estimular desenvolvimento e reduzir desigualdades regionais.

Linhas construídas em áreas com baixa densidade populacional — como Tibet, Xinjiang e partes da Mongólia Interior — foram pensadas como instrumentos de integração nacional, segurança e projeção de poder, e não necessariamente como investimentos rentáveis.

Segundo o analista Andy Mok, do Center for China and Globalization, “as ferrovias não são apenas infraestruturas logísticas — elas também exercem papel político. O Partido Comunista as vê como ferramentas de coesão nacional.”

O impacto na mobilidade urbana e na economia local

Apesar dos desafios financeiros, é inegável o impacto positivo que o trem-bala chinês teve sobre a mobilidade, o turismo e o mercado imobiliário em áreas urbanas. Cidades médias como Zhengzhou, Wuhan e Changsha se transformaram em polos logísticos e industriais após se conectarem às principais rotas.

Além disso, a alta velocidade ferroviária reduziu o tempo de viagem entre megacidades de horas para minutos, incentivando negócios, migração de profissionais qualificados e um novo modelo de cidade-região, semelhante ao que ocorre na Europa.

O modelo também é reconhecido como ambientalmente superior ao transporte aéreo, contribuindo com metas de descarbonização e transição energética da China.

Críticas internacionais e riscos econômicos

O modelo ferroviário chinês tem sido estudado com interesse e também com cautela por economistas e urbanistas de outros países. Uma das principais críticas envolve o baixo retorno sobre investimento em regiões não lucrativas, além do risco de que dívidas excessivas sobrecarreguem o orçamento público a longo prazo.

O economista Nicholas Lardy, do Peterson Institute, argumenta que o projeto é financeiramente insustentável se não houver uma reavaliação criteriosa das próximas fases de expansão. “A China pode ter construído a infraestrutura mais impressionante do século XXI, mas pagará um preço alto se os trens circularem vazios.”

Ciente do desequilíbrio entre crescimento físico e sustentabilidade econômica, o governo chinês tem feito ajustes. As metas de expansão foram desaceleradas desde 2022, e o foco atual é otimizar a operação das rotas existentes, reduzir custos, melhorar a ocupação e renegociar parte das dívidas.

Entre as estratégias em curso:

  • Redução de frequências em rotas deficitárias
  • Integração de trens de alta velocidade com trens regionais e cargas
  • Reajuste tarifário e aumento de políticas promocionais para ageiros
  • Estímulo ao turismo interno com foco nas cidades conectadas

Comparação com outros países

Enquanto o Japão mantém uma rede altamente eficiente e lucrativa de trens bala (Shinkansen), com ocupação média acima de 80%, a China aposta na escala e no impacto político de sua infraestrutura. Nos Estados Unidos e no Brasil, tentativas de implementar sistemas de alta velocidade têm esbarrado em custos, processos regulatórios lentos e falta de prioridade política.

A China se destacou por conseguir o que nenhum outro país fez até agora: construir milhares de quilômetros em menos de duas décadas. No entanto, a fase atual exige mais que velocidade e engenharia: demanda eficiência, gestão e retorno sustentável.

O futuro da alta velocidade ferroviária chinesa

infraestrutura ferroviária chinesa continua sendo referência mundial. A próxima geração de trens, como o Maglev de 600 km/h, está em desenvolvimento e poderá transformar novamente o conceito de deslocamento rápido.

Mas a grande questão que paira sobre o futuro do sistema é econômica: será possível manter essa rede colossal sem comprometer a saúde financeira do país? O governo promete equilíbrio, mas analistas seguem céticos.

Enquanto isso, para milhões de chineses, o trem-bala continua sendo um dos maiores símbolos do progresso moderno — mesmo que, por trás da cortina de aço e vidro, existam linhas vazias e balanços no vermelho.

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Valdemar Medeiros

Jornalista em formação, especialista na criação de conteúdos com foco em ações de SEO. Escreve sobre Indústria Automotiva, Energias Renováveis e Ciência e Tecnologia

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