Em meio a abandono e repressão, moradores de Annobón buscam apoio argentino e querem romper com a Guiné Equatorial após décadas de isolamento
Uma pequena ilha no meio do Atlântico atraiu a atenção internacional ao fazer um pedido inusitado: ser anexada pela Argentina. A ilha em questão não são as Malvinas, disputadas há décadas por argentinos e britânicos. O nome dela é Annobón, e está localizada a cerca de 500 quilômetros da costa africana, pertencente atualmente à Guiné Equatorial.
O que surpreende é o pedido da população local. Mesmo sem laços históricos ou geográficos diretos com Buenos Aires, representantes de Annobón solicitaram apoio político e manifestaram desejo de se tornarem uma província ou estado associado à Argentina.
Isolamento e insatisfação
Annobón é a menor província da Guiné Equatorial e também a mais isolada. Fica mais próxima do arquipélago de São Tomé e Príncipe do que da capital do seu próprio país, Malabo. A distância e o abandono seriam os principais motivos do descontentamento dos moradores da ilha.
-
Vazou a primeira imagem do suposto caça J-36 da China com cockpit duplo e 3 compartimentos internos: aeronave pode superar todos os caças dos EUA até 2030
-
China comissiona navio de 180 metros para perfurar a crosta terrestre até a descontinuidade de Moho no Mar do Sul da China até 2035
-
A maior disputa territorial do mundo envolve China, Índia e até Londres, pode afetar não só a Ásia, mas todo o equilíbrio geopolítico global
-
Aliados do Brasil em ação: China aposta em novos campos de petróleo e gás em Cuba
Desde 2022, lideranças locais tentam um processo de emancipação. O autoproclamado primeiro-ministro da ilha, Orlando Lagar, afirma que os habitantes de Annobón sofrem discriminação e até genocídio por parte da Guiné Equatorial.
“Somos um povo diferente, com uma identidade cultural e uma língua diferente”, declarou Lagar em entrevista à rádio argentina Rivadavia.
Segundo ele, a criação da Guiné Equatorial em 1968 teria unido povos distintos de forma forçada. Para Lagar, essa união causou prejuízos à ilha, que enfrenta fome, sede e abandono por parte do governo central.
Colônia do ado como ferramenta política
De forma curiosa, Annobón decidiu recorrer ao ado colonial para chamar a atenção da comunidade internacional. Em vez de reforçar a ligação com Portugal — país que colonizou a ilha inicialmente — ou com o Brasil — que compartilha laços linguísticos — o pedido de socorro foi direcionado à Argentina.
A justificativa de Lagar está ligada à história do Império Espanhol. Segundo ele, Annobón fez parte da Guiné Espanhola e, em determinado período, teve laços istrativos com Buenos Aires, capital do antigo Vice-Reino do Rio da Prata. “Javier Milei, preste atenção ao povo de Annobón”, declarou o líder, em apelo direto ao presidente argentino.
Annobón: Raízes portuguesas e tráfico de escravos
O nome da ilha remete ao dia em que foi “descoberta” por portugueses: 1º de janeiro de 1473. Acredita-se que ela era desabitada até então. A partir do ano seguinte, ou a receber navios negreiros que saíam de Angola e São Tomé, sendo integrada à rota do tráfico de escravos.
Essa miscigenação resultou em uma cultura própria e na criação de um idioma distinto: o crioulo de Annobón. Atualmente, a língua é falada por cerca de 7 mil pessoas na própria ilha e em Bioko, outra parte da Guiné Equatorial.
Em 1778, um acordo entre Portugal e Espanha — o Tratado de El Pardo — transferiu Annobón para domínio espanhol. Os moradores da ilha resistiram à nova istração, mas acabaram sendo integrados ao controle espanhol, comandado a partir de Buenos Aires.
Do domínio espanhol à independência
No século XIX, a Espanha retomou o controle direto sobre Annobón. Isso durou até 1968, quando a Guiné Espanhola se tornou independente e ou a se chamar Guiné Equatorial.
O primeiro presidente, Francisco Nguema, autoproclamou-se vitalício, governando com mão de ferro até ser executado pelo sobrinho, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, atual presidente do país.
Segundo Orlando Lagar, o atual governo mantém repressão sobre a ilha. Em 1993, a população se rebelou e foi duramente reprimida. Após pressão internacional, presos políticos foram soltos. Mesmo assim, o clima de opressão continuou.
Uso político da cultura lusófona
Em 2006, Annobón foi peça-chave para a entrada da Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (LP), apesar da oposição de várias nações, devido às denúncias de violações de direitos humanos no país. A manobra foi possível graças à herança cultural da ilha, ligada ao português.
Em 2014, a Guiné Equatorial tornou o português uma das línguas oficiais, ao lado do espanhol e do francês. Apesar disso, na parte continental do país quase ninguém fala o idioma, segundo reportagem da agência Deutsche Welle.
A cultura lusófona de Annobón, portanto, tem servido mais como instrumento diplomático do que como herança valorizada.
A guinada argentina
Mesmo com essa ligação com a lusofonia, o movimento separatista de Annobón agora aposta no resgate do vínculo com a Argentina. A decisão parece contraditória, já que a própria Guiné Equatorial também foi colônia espanhola. No entanto, o gesto parece ter surtido efeito.
Veteranos da revolta de 1993, Lagar e outros líderes do movimento vivem atualmente na Espanha. Eles são as vozes principais do apelo internacional da ilha.
Annobón argentina? Maradona, churrasco e memes
Enquanto isso, a internet argentina decidiu transformar Annobón em um símbolo da criatividade nacional.
Usuários começaram a editar mapas digitais da ilha, inserindo referências culturais argentinas, como estátuas de Diego Maradona, igrejas maradonianas, churrascarias e até uma réplica da Bombonera, estádio do Boca Juniors.
No último referendo sobre as Malvinas, 99,8% da população local votou por permanecer como território britânico. Já Annobón, apesar da distância geográfica, ganhou mais presença argentina — pelo menos no Google Maps.
Com informações de UOL.