Em uma pequena ilha do Japão, uma solução engenhosa está dando novo destino ao esterco de vaca: a transformação do resíduo orgânico em hidrogênio, usado como combustível limpo e sustentável
Na ilha de Hokkaido, no Japão, o que antes era um problema ambiental virou combustível limpo. Em Shikaoi, um projeto pioneiro está transformando esterco de vaca em hidrogênio. A proposta inusitada nasce da necessidade de lidar com toneladas de dejetos bovinos e, ao mesmo tempo, buscar fontes renováveis de energia.
A iniciativa aproveita o esterco e a urina de vacas para produzir biogás, que é depois convertido em hidrogênio. O combustível limpo gerado serve para abastecer veículos, aquecer instalações locais e reduzir emissões de gases nocivos.
Combustíveis a partir de esterco: uma solução para o metano
Hokkaido abriga uma das maiores concentrações de gado leiteiro do Japão. Com mais de um milhão de vacas, a ilha produz cerca de 20 milhões de toneladas de esterco por ano.
-
Produção de biodiesel cresce no Brasil e Abiove defende elevação da mistura B15 no diesel nacional
-
Em processo inédito, Hyundai vai transformar borra de fosfato gerada na pintura de carros em 270 toneladas de fertilizantes por ano
-
Minas Gerais atinge recorde na moagem de cana e se destaca na produção de etanol, açúcar e bioenergia sustentável em 2024/2025
-
Brics define biocombustíveis como futuro dos transportes e aliança com Sul Global já está selada
Esse resíduo, se não tratado, libera metano — um gás com potencial de aquecimento global 80 vezes maior que o dióxido de carbono em um período de 20 anos.
Para lidar com esse impacto ambiental, o projeto Shikaoi Hydrogen Farm ou a coletar os dejetos de fazendas próximas. O material é processado em um digestor anaeróbico, onde bactérias decompõem a matéria orgânica e produzem biogás.
O biogás gerado contém metano, o qual é separado e, por meio de um processo de reforma a vapor, transformado em hidrogênio. Esse hidrogênio, por sua vez, vira combustível limpo para tratores, carros e até aquecedores.
Hidrogênio em uso no campo
O projeto produz cerca de 70 metros cúbicos de hidrogênio por dia. Esse volume é suficiente para abastecer até 28 veículos, incluindo tratores, empilhadeiras e outros equipamentos agrícolas difíceis de eletrificar com baterias.
O combustível também é usado para aquecer prédios locais, como o Zoológico de Obihiro e instalações de criação de esturjões. Com isso, o projeto ajuda a substituir combustíveis fósseis em áreas onde o o à energia limpa costuma ser limitado.
A produção de hidrogênio também oferece uma alternativa viável para o transporte rural e industrial. A substituição de diesel e gasolina por combustíveis renováveis e locais contribui para a redução da emissão de poluentes.
Nada é desperdiçado
Além do hidrogênio, o processo gera subprodutos com valor econômico. O resíduo sólido restante do digestor vira fertilizante para os campos agrícolas da região. Já o ácido fórmico obtido pode ser usado como conservante para a alimentação dos animais.
Essa abordagem valoriza todos os componentes do processo e evita a contaminação do solo e dos rios com resíduos orgânicos. O modelo promove a autossuficiência energética e reduz a dependência de fertilizantes químicos, fortalecendo a economia rural da região.
Custos e limitações
Apesar do sucesso técnico, a produção de hidrogênio ainda enfrenta desafios financeiros. Armazenar e transportar esse gás exige infraestrutura específica e cara. Ele deve ser mantido sob alta pressão ou em estado líquido criogênico, a temperaturas de até –253°C.
Sua baixa densidade energética por volume exige tanques maiores do que os usados com combustíveis fósseis. Além disso, o custo atual de produção é superior ao dos combustíveis convencionais. Por isso, o projeto subsidia o hidrogênio para que ele chegue ao mesmo preço da gasolina.
A expectativa é que, conforme a demanda aumente, os custos diminuam. Mas, por enquanto, a expansão da tecnologia depende de apoio financeiro e incentivos públicos.
Outras experiências no Japão
O modelo de Hokkaido não é o único no país. Em Fukuoka, outra cidade japonesa, uma estação de tratamento de esgoto transforma dejetos humanos em hidrogênio. Lá, é possível produzir até 300 quilos do gás em somente 12 horas, abastecendo cerca de 30 caminhões.
Essa prática mostra como o Japão tem buscado soluções energéticas locais, usando materiais disponíveis em cada região. Além de vacas e humanos, outras fontes de resíduos estão sendo testadas: porcos, frangos, bagaço de cana, cascas de coco e mais.
Cada material exige uma técnica específica, mas o objetivo é o mesmo — transformar lixo em energia limpa e reduzir a pegada ambiental.
Combustíveis limpos: um caminho com potencial
A proposta japonesa de converter resíduos orgânicos em hidrogênio mostra como é possível atacar três problemas ao mesmo tempo: o excesso de lixo, a dependência de combustíveis fósseis e as emissões que causam mudanças climáticas.
Mesmo com obstáculos técnicos e econômicos, iniciativas como a de Shikaoi representam uma mudança concreta. Elas apontam para um modelo de energia mais local, sustentável e circular.
Enquanto os custos ainda são altos, o potencial de replicar esse tipo de projeto em outras regiões com excedente de resíduos orgânicos é uma oportunidade para transformar desafios ambientais em soluções energéticas.
Com informações de Eco Inventos.