Justiça dos EUA avalia se registros completos de acidentes com veículos Tesla devem ou não ser divulgados
O piloto automático e a capacidade total de direção autônoma (Full Self-Driving, ou FSD) são tecnologias que há anos equipam os veículos da Tesla vendidos nos Estados Unidos. Sua existência e funcionamento já são amplamente conhecidos do público e da indústria automotiva. O que permanece um verdadeiro mistério, no entanto, são detalhes sobre os acidentes ocorridos com esses sistemas ativados. A Tesla luta na Justiça para que essas informações continuem fora do alcance da opinião pública.
A disputa legal teve início a partir de uma ação movida pelo jornal The Washington Post contra a NHTSA (National Highway Traffic Safety istration), a agência federal de segurança viária dos Estados Unidos. O jornal solicita o ir à planilha completa com os registros de incidentes ocorridos enquanto os sistemas de assistência à condução da Tesla estavam em operação. Atualmente, a NHTSA divulga parte dessas informações, mas mantém sob sigilo “detalhes cruciais”, como as condições climáticas no momento dos acidentes, a localização exata de cada ocorrência e a versão específica do software em uso. Para os advogados do Post, esses dados são de interesse público e podem esclarecer o verdadeiro desempenho dessas tecnologias.
A alegação da Tesla: segredo comercial
Segundo informações da agência de notícias Reuters, a Tesla respondeu com firmeza. Nesta semana, a empresa apresentou um documento formal no Tribunal Federal do Distrito de Columbia se opondo à divulgação dos dados. Seu argumento central é que determinados campos nos relatórios da NHTSA contêm informações confidenciais e estratégicas.
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Mais precisamente, a Tesla considera sigilosos os seguintes elementos:
- a versão de hardware ou software instalada no veículo;
- a indicação de se o carro circulava dentro de seu domínio operacional projetado (Operational Design Domain — ODD);
- a narrativa detalhada do acidente.
De acordo com a montadora, a divulgação desses elementos permitiria que concorrentes avaliassem a eficácia de cada versão do sistema, monitorassem o ritmo de desenvolvimento das tecnologias da Tesla e correlacionassem falhas específicas a versões concretas de software ou hardware. “Trata-se de um verdadeiro roteiro tecnológico, cuja exposição traria prejuízos competitivos severos”, alegou a empresa em sua manifestação oficial.
O apoio parcial da NHTSA
Curiosamente, a própria NHTSA endossou, em parte, a posição da Tesla. Em um documento protocolado separadamente, a agência declarou que concorda com a Tesla no que diz respeito à proteção de três campos da planilha sob a Lei de Liberdade de Informação (FOIA). Segundo a NHTSA, não se trata apenas de proteger a privacidade dos envolvidos, mas também de garantir a confidencialidade comercial da montadora.
Os advogados do Washington Post, por outro lado, contestaram o argumento. Para eles, essas informações já são parcialmente íveis aos próprios motoristas e, portanto, sua compilação não deveria ser resguardada sob a justificativa de segredo comercial.
Agora caberá ao Tribunal Federal decidir se essas informações permanecerão ocultas ou se serão tornadas públicas.
Um debate que vai além do aspecto jurídico
O caso tem gerado debates que transcendem o campo puramente legal. Como lembra a emissora pública NPR, a NHTSA atualmente conduz uma investigação sobre o desempenho do FSD em uma frota de 2,4 milhões de veículos, após uma série de acidentes — incluindo um caso fatal registrado em 2023. Além disso, a agência mantém inquéritos adicionais sobre colisões em condições de baixa visibilidade e sobre o funcionamento do recurso Smart Summon (Convocação Inteligente), que permite movimentar o veículo sem ninguém ao volante.
Embora nem todos os acidentes venham a público, a planilha confidencial da NHTSA, que o Washington Post tenta obter, inclui registros que a Tesla fornece regularmente à agência. No entanto, a montadora luta para evitar que mais detalhes dessas ocorrências sejam revelados.
O que é o FSD da Tesla, afinal?
A Tesla estrutura seus sistemas de assistência à condução em três níveis:
- Piloto Automático (Autopilot): item de série nos veículos novos vendidos nos EUA. Oferece controle de cruzeiro adaptativo e centralização de faixa.
- Piloto Automático Aprimorado (Enhanced Autopilot): pacote pago com funções adicionais.
- Capacidade Total de Direção Autônoma (Full Self-Driving ou FSD): o conjunto mais avançado, também opcional.
Apesar do nome, nenhum desses sistemas transforma o carro em um veículo verdadeiramente autônomo. Mesmo no modo FSD, o motorista deve permanecer atento, com as mãos no volante e pronto para assumir o controle a qualquer momento. A Tesla ressalta que esses sistemas são projetados para auxiliar — não substituir — o condutor.
Ainda assim, o FSD já oferece recursos impressionantes, como:
- troca automática de faixa;
- estacionamento automatizado;
- parada diante de semáforos e placas de sinalização (nas versões beta).
São avanços tecnológicos relevantes, mas que ainda demandam supervisão humana obrigatória.
Por que a transparência importa
A batalha judicial em curso ocorre em um momento de crescente escrutínio sobre as tecnologias de assistência à condução. Embora a Tesla defenda seu direito ao segredo industrial, especialistas em segurança veicular e defensores dos consumidores argumentam que a transparência é fundamental.
Como disse recentemente Jason Levine, diretor-executivo do Center for Auto Safety, em entrevista ao NPR:
“Sem o a dados completos e confiáveis, é impossível para o público, para reguladores e até para compradores de veículos avaliar objetivamente a segurança desses sistemas.”
Independentemente do desfecho do caso, o debate expõe uma questão central da era dos carros cada vez mais automatizados: como equilibrar inovação tecnológica com o direito do público à informação sobre segurança? A resposta, ao que tudo indica, ainda está longe de um consenso.