Com promessas de zerar emissões de carbono e revolucionar o urbanismo global, a megacidade futurista da Arábia Saudita chamada The Line está em construção no deserto. Mas o que saiu do papel até 2025? Veja os avanços, atrasos e o que ainda é só um sonho bilionário.
Anunciada em 2021 como uma das maiores apostas de reestruturação urbana da história moderna, a The Line é parte do projeto NEOM, liderado pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman. A proposta é ambiciosa: uma megacidade futurista da Arábia Saudita com 170 quilômetros de extensão, zero emissão de carbono, sem ruas, sem carros e com uma parede espelhada de 500 metros de altura, abrigando até 9 milhões de pessoas.
A cidade, segundo seus idealizadores, será totalmente alimentada por fontes de energia renovável, e a mobilidade interna será feita por um trem ultrarrápido subterrâneo que conectará ponta a ponta em apenas 20 minutos. Os prédios formam uma única estrutura longitudinal, com áreas residenciais, comerciais e até florestas verticais.
Mas ados quatro anos desde o anúncio, o que realmente foi construído da megacidade da Arábia Saudita em 2025?
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O que foi feito até agora: apenas 2,4 km da The Line devem ser concluídos até 2030
Em 2025, o status da The Line está bem abaixo do plano original. A primeira fase do projeto, chamada Hidden Marina, está em obras com previsão de conclusão para 2030. Esse trecho inicial terá 2,4 km e abrigará cerca de 200 mil pessoas. Muito longe dos 1,5 milhão de habitantes prometidos para o fim da década.
Apesar disso, o canteiro de obras está a todo vapor. Estima-se que cerca de 140 mil trabalhadores estejam envolvidos na construção da megacidade futurista da Arábia Saudita. Mais de 1.000 estacas de fundação já foram instaladas, e 120 novas são adicionadas por semana.
A demanda de materiais é tão colossal que o projeto já consome cerca de 20% do aço disponível no mundo. O impacto dessa demanda gera desafios logísticos e ambientais significativos, com milhares de toneladas de vidro, concreto e ferro sendo transportados diariamente para o deserto saudita.
Cronograma adiado: de 2030 para 2045 — ou até 2080
A promessa original era ambiciosa: ter os 170 km da The Line prontos até 2030. No entanto, com os avanços lentos e as dificuldades de execução, os próprios idealizadores já item que esse objetivo é irrealista. Agora, a nova meta fala em 2045 — e há quem diga que o prazo realista seria apenas em 2080.
Além disso, o custo da The Line foi revisto para US$ 8,8 trilhões, o que representa mais de 25 vezes o orçamento anual da Arábia Saudita. Isso levanta dúvidas sobre a viabilidade do projeto, mesmo com o enorme fundo soberano do país.
Design utópico ou distópico? Os desafios técnicos e ambientais da The Line
Um dos principais entraves ao projeto tem sido o próprio design. Mohammed bin Salman recusou propostas para reduzir a altura da cidade dos atuais 500 metros para um modelo mais viável. Ele insiste em manter a estética radical de paredes espelhadas verticais, o que gera complicações técnicas e ambientais:
- Superaquecimento do ambiente: estruturas espelhadas gigantes podem criar efeitos de lente térmica e afetar o clima local.
- Interferência nos ecossistemas: especialistas apontam que a construção pode alterar padrões migratórios de animais, danificar dunas e destruir habitats naturais.
- Desconexão com o entorno: ao eliminar ruas e janelas para o horizonte, críticos afirmam que a The Line pode se tornar uma “prisão vertical de luxo”.
Mesmo com o apoio estatal, o projeto tem recebido crescente ceticismo da comunidade internacional e de urbanistas renomados.
A vida em The Line: utopia sustentável ou pesadelo de vidro?
A proposta da megacidade da Arábia Saudita é vender uma vida mais eficiente, limpa e integrada: cinco minutos de caminhada até qualquer serviço básico, transporte subterrâneo de alta velocidade, ausência de emissões e convivência em comunidades conectadas por inteligência artificial.
No entanto, críticos e visitantes recentes apontam que o cenário real ainda está distante das animações futuristas divulgadas pela mídia saudita. Influenciadores que visitaram as áreas em desenvolvimento mostraram canteiros inacabados, ausência de verde e estruturas iniciais muito aquém das expectativas.
Para muitos, a ideia de viver dentro de uma parede de vidro de 500 metros, sem ruas ou janelas para o horizonte, pode não ser tão atraente quanto parece. Alguns analistas descrevem a proposta como uma utopia urbana com traços de distopia digitalizada, onde a vigilância constante e a ausência de espontaneidade urbana podem transformar a experiência em algo claustrofóbico.
Impactos ambientais e sociais: a polêmica por trás da construção
A construção de The Line não está livre de polêmicas. Organizações de direitos humanos têm denunciado deslocamento forçado de comunidades locais, especialmente de povos tradicionais que vivem na região onde o projeto avança.
Ambientalistas alertam para os riscos de poluição térmica, uso excessivo de recursos naturais escassos (como água) e alterações severas na paisagem desértica, uma das mais frágeis do planeta. O uso maciço de aço e vidro também contradiz o discurso de sustentabilidade, especialmente considerando a pegada de carbono da fabricação e transporte desses materiais.
Além disso, o regime saudita é acusado de usar o projeto NEOM — e a The Line — como cortina de fumaça para “lavar” sua imagem internacional, especialmente após críticas envolvendo direitos das mulheres, repressão política e episódios como o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi.
O que é o Hidden Marina? Primeiro trecho que pode ser concluído
Em meio a atrasos e ceticismo, um trecho em especial tem avançado: o Hidden Marina, ou “marina escondida”, é a primeira etapa funcional da The Line. Com 2,5 km de extensão, deve contar com:
- Residências para 200 mil pessoas
- Estádios de futebol (inclusive um possível palco da Copa do Mundo de 2034)
- Centros de lazer, hotéis e estações de transporte subterrâneo
O Hidden Marina é visto como o projeto vitrine, o trecho que deve demonstrar ao mundo a viabilidade da megacidade futurista da Arábia Saudita. Caso seja entregue conforme o cronograma, pode ajudar a recuperar parte da credibilidade do projeto.
Em 2025, a megacidade da Arábia Saudita chamada The Line segue muito mais como uma ideia do que como uma realidade consolidada. Com apenas 2,4 km previstos até 2030, atrasos no cronograma e desafios técnicos e ambientais ainda sem solução, o projeto está longe de entregar o que prometeu em sua ambiciosa proposta original.
Mesmo assim, a mobilização bilionária, o número de trabalhadores envolvidos e o impacto global do projeto garantem que ele continuará no radar internacional — como um símbolo do que pode ser o urbanismo do futuro, ou do que pode dar errado quando a ambição supera a viabilidade.
O que se pode afirmar com certeza é que The Line continua sendo uma das obras mais impressionantes (e controversas) em andamento no mundo. Se será concluída como planejada, ou se vai se juntar à lista de megaprojetos inacabados, só o tempo dirá.