A exploração de sal-gema por décadas sob Maceió, capital nordestina de Alagoas, desencadeou um dos maiores desastres urbanos do Brasil, forçando a evacuação de dezenas de milhares de pessoas e deixando um rastro de destruição e incerteza.
Maceió, a vibrante capital nordestina do estado de Alagoas, tornou-se o epicentro de uma tragédia socioambiental de proporções alarmantes no Brasil. Por décadas, a mineração de sal-gema realizada no subsolo da cidade criou um perigo silencioso que culminou no afundamento progressivo do solo em diversos bairros. Este desastre induzido pela atividade humana forçou mais de 60.000 pessoas a abandonarem seus lares e suas histórias.
Este artigo investiga as causas geológicas e operacionais, a cronologia dos eventos e as profundas consequências deste desastre urbano induzido, que transformou parte da capital nordestina em “bairros fantasmas” e levantou sérios questionamentos sobre responsabilidade corporativa e fiscalização estatal.
A geologia de Maceió e a longa história da mineração de sal-gema na capital nordestina
O subsolo da região de Maceió é caracterizado por extensas e espessas camadas de halita, conhecida como sal-gema. Este recurso natural atraiu a indústria química, com a exploração iniciada em 1976 pela Salgema Indústrias Químicas S.A., empresa que, após fusões, foi incorporada pela Braskem S.A. em 2002.
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O método utilizado foi a mineração por dissolução, que consiste em injetar água para dissolver o sal e bombear a salmoura resultante. Ao longo de mais de quatro décadas, este processo criou dezenas de grandes cavidades subterrâneas sob a malha urbana desta capital nordestina, um fator agravado pela presença de falhas geológicas na área.
Os primeiros sinais do desastre em Maceió e a crucial confirmação científica
Em 2018, os problemas latentes começaram a se manifestar. Após fortes chuvas em fevereiro e um abalo sísmico de magnitude 2.5 em março, fissuras e rachaduras se intensificaram em imóveis e ruas dos bairros Pinheiro, Mutange e Bebedouro, gerando pânico na população. A prefeitura decretou estado de emergência.
Diante da escalada, o Serviço Geológico do Brasil (RM) iniciou estudos. Em maio de 2019, o relatório do RM concluiu que a mineração de sal-gema pela Braskem era a principal causa da subsidência. Confrontada, a Braskem paralisou a extração em maio de 2019 e anunciou o fechamento definitivo das minas em novembro do mesmo ano, iniciando evacuações preventivas.
Uma capital nordestina desfigurada, milhares de vidas interrompidas e o impacto ambiental
A consequência mais dolorosa foi o deslocamento em massa: aproximadamente 60.000 pessoas foram forçadas a deixar seus lares, e mais de 14.000 imóveis foram afetados nos bairros de Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e parte do Farol. Essas áreas se transformaram em “bairros fantasmas”, com profundo impacto psicológico e social.
A infraestrutura urbana, incluindo escolas e hospitais, foi arruinada. Os danos ambientais também foram significativos, afetando o Complexo Estuarino Lagunar Mundaú-Manguaba (CELMM), com riscos de hipersalinização da Lagoa Mundaú e destruição de manguezais, impactando a pesca artesanal.
A atuação do Estado, os acordos com a Braskem e a voz da comunidade afetada
Diversos órgãos estatais, como Defesa Civil, Ministérios Públicos (MPF e MPE) e Defensorias Públicas (DPU e DPE), atuaram na crise. Foram firmados acordos com a Braskem para criar o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF), visando indenizar as vítimas e remediar os danos.
Associações de moradores, como o SOS Pinheiro, tiveram papel crucial na mobilização por direitos e justiça. Em maio de 2024, a Comissão Parlamentar de Inquérito (I) da Braskem no Senado Federal concluiu que o afundamento foi um “crime” resultante da exploração irresponsável da empresa e de falhas graves na fiscalização estatal por órgãos como a Agência Nacional de Mineração (ANM) e o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA).
Os desafios da estabilização, a complexa recuperação e as difíceis lições de Maceió
O plano de fechamento das 35 minas, com preenchimento das cavidades e monitoramento, é um processo longo e complexo, com percalços como a contínua preocupação com a Mina 18 no Mutange. A recuperação das áreas evacuadas e a reparação integral das vidas afetadas são desafios monumentais para esta capital nordestina.
O desastre de Maceió serve como um alerta severo para o Brasil sobre os perigos da mineração em áreas urbanas e a necessidade de fiscalização rigorosa, transparência e priorização do princípio da precaução. As lições desta tragédia, classificada como crime pela I, devem guiar futuras políticas para evitar que a busca por recursos naturais se sobreponha à segurança e dignidade das comunidades.